quinta-feira, 28 de março de 2013

Alucinações: Súplicas em Agonia... aos pobres condenados, reféns do Alzheimer.


Alucinações…
De repente, a situação chega a um ponto em que os pobres condenados, reféns do Alzheimer, surtam de tal forma, que, coisas que não existem, em razão de seus devaneios, passam a existir…

Exemplo:
— Espelhos surgem como janelas.
— Seu reflexo no espelho passa a ser outra pessoa: um amigo imaginário.
— Esse amigo imaginário — que se mostra através do espelho — torna-se uma visita rotineira.
— Diálogos começam a ser travados com esse tal amigo que nem ao menos existe.
— Essa estranha relação gera lembranças de momentos que, em momento algum, se fizeram fatos.

Súplicas em agonia: E eis que algo desconhecido aos nossos olhos a surpreende, e com um gesto seu, impremeditado, o diálogo travado, no imediato instante, por ela, é interrompido; eis a hora em que é perceptível a presença de algo que a incomoda; e não tarda para que horrendas criaturas — crias de seu próprio tormento — venham a se revelar de modo a arrombar a sua retina, e a causar-lhe assombros ao espírito. A fobia, proveniente de seus delírios, se faz de carrasco; e a tal expressão: “Meu Deus!”, — proferida com tórpida aflição por duas vezes — provém de sua boca como um rogo que lhes serve de refúgio a preceder tal suplício.  



Cena:

“— Ah, meu Deus… ah, meu deus…”.
“Eles estão na cadeira!”
“Eles são animais… com pernas longas!”
“Tem tantos deles ali nas caixas (Há alguns deles naquelas caixas).”

Nuno Lilah Lisboa


TEATRO E FILOSOFIA POR SOBRE O TABLADO

           O Teatro nasce na Grécia assim como a Filosofia. Deste ponto as relações existentes entre estas duas formas de expressão da alma tornam-se cúmplices ao estarem em uma busca constante da explicação do ser [ inteligível/imutável], onde  o teatro, que se utiliza de técnicas do elemento estético para representar espiritualmente a condição humana, encontra junto à Filosofia uma manifestação original da dimensão artística e da reflexão conceitual. 
             Para Aristóteles, a idealização é o modo próprio da tragédia, onde aparece o herói fora do cotidiano do espectador, o que nos faz lembrar Brecht, quando em seu teatro estabelece um distanciamento, uma quarta parede, entre ator, personagem e público, este último não se envolve no enredo da dramaturgia, estabelecendo assim uma atmosfera de valores que não se apagam quando se fecham as cortinas. Mesmo nascendo durante festas a Dionísio o Teatro começou a questionar o esforço humano para obter a ajuda dos deuses, assim a critica social cresce juntamente ao avanço cultural grego, a personificação dos elementos da natureza dentro dos ritos de fertilidades já não mais são suficientes para se entender o mundo da forma que é apresentada a este homem inquieto. Agora o antigo “xamã” que se portava da voz dos deuses, e que assumia o movimento dançante para se chegar ao êxtase do sagrado dá lugar a Téspis, o primeiro ator que se tem notícia que empresta seu corpo e sua voz, para então assim representar a obra do poeta e distinguir o deus-ator, para o ator-personagem.
               Para este primeiro momento da pesquisa nos prenderá na figura do ator; a distinção entre o ator que assume a voz dos deuses e aquele que apenas a representa, Assim, compreendemos que o teatro é dotado de ação, e o ator constitui-se enquanto elemento principal da ação; se retiramos o texto, o espaço da representação e toda maquinaria que compõe o teatro ele ainda existirá, no entanto se retiramos o ator do teatro este último não mais fará sentido , visto que o teatro é arte do ator, pois foi Téspis que ao subir na carroça e distanciar-se do coro começou-se então a aparecer uma reflexão interior do filósofo, com debate de ideias no movimento filosófico e com o processo de artes em detrimento das críticas da sociedade grega, com busca de sentido e valores da existência.
              Para Nietzsche em O nascimento da tragédia. “O grego conheceu e sentiu os temores e os horrores do existir este sentimento refletiu-se em sua arte dramática, onde se destaca Sófocles que apresenta o homem enquanto detentor da consciência destes próprios horrores em um sofrimento sem saída, aqui percebemos que para Sófocles voltar-se contra os deuses, não significa um moira [ destino] de castigos supremos , mas sim um estagio de transformação e independência da condição humana , Édipo não deixa de enxergar e por ter furado os olhos, deixa apenas de ver as coisas matérias, passa a enxergar ainda melhor suas razoes existentes. É neste momento que o ator deixa de ser o canal de transposição da vontade dos deuses e constitui-se enquanto um representador.

Referências
ARISTOTELES. A poética. São Paulo. Martin Claret. 2010
BERTHOL, Margot. Historia Mundial do Teatro. São Paulo. Perspectiva. 2004
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo. Cia das Letras. 2007

quinta-feira, 7 de março de 2013

É preciso mentir para falar a verdade


*Artigo publicado no  Guesa Errante quando da Circulação de Um Dedo por um Dente


Por Igor Nascimento*
No meio deste bang-bang de jingles de campanha e das inúmeras propostas para melhoria da cidade de São Luís, a trupe Petite Mort decidiu também sair pelos bairros, buscando, em vez de eleitores, espectadores.
Em cena, a estória de duas caveiras. Elas não irão prometer nada, a não ser risos... O drama consiste na questão da posse, do “ter ou não ter” que, infelizmente, atravessou o limiar da morte e foi parar nos túmulos dos finados Procópio e Torquato. Trata-se de um dente, perdido numa rodada de porrinha, e um dedo que foi subtraído por um cachorro... Não havendo propriedade privada no pós-vida, não havendo dinheiro para mandar trazer de volta, nem a possibilidade em comprar outro, a situação ganha proporções enormes.
Fica a questão: mesmo depois da morte, as pessoas fazem de tudo para terem um pouco mais? A sátira destes dois personagens atravessa as bordas da cena e pode falar - apesar de não citarem os buracos da nossa cidade lunática - de problemas de ordem mais profunda, tais como: em função do que existimos? Em torno do quê nossa vida gira?
São os questionamentos que não estarão, com certeza, nas campanhas eleitorais. O que a maioria dos políticos quer é achar o problema mais imediato para ganhar voto o mais rápido possível. Às vezes, nem isso! Existe uma solução mais eficiente do que achar o que está errado: promover festas e mais festas, pois, festejando, o povo esquece até dos próprios problemas [...]. Investir no teatro não seria uma boa proposta? Infelizmente, não. Existe pesadelo maior para os que controlam o mercado e a opinião, do que ver a sociedade ter consciência deste controle? É por isso que lançamos aqui um slogan para circulação da peça Um dedo por um dente: mentir para falar a verdade!Os comediantes brincarão com a fantasia. O público será transportado ao sonho. As cortinas estenderão seus braços. A comédia cobrirá todos com um delicioso véu... De lá sairão vários questionamentos. O riso levantará a polêmica. A realidade, enfim, será posta em xeque quando houver a pergunta: será que essa ficção absurda é real?
É o que vale a pena conferir com a circulação do espetáculo Um dedo por um dente que esteve em cartaz nos dias 18 e 19 de agosto, no Teatro Itapicuraíba, no Anjo da Guarda, bem como nas sedes do Coco Pirinã e Adolescentro. Ademais, estará em cartaz nos dias 1 e 2 de setembro, indo para Casa Artes das Bicas, no Coroadinho, nos dias 15 e 16 do mesmo mês. Segundo os integrantes da trupe, a proposta não vai parar por aí. Serão integrados outros bairros da capital, fechando sempre parcerias com instituições comunitárias, associação de moradores, escolas etc. A meta é fazer 20 apresentações até dezembro.
O objetivo da circulação consiste não somente em levar o teatro para as pessoas da comunidade, mas, também, de tirar o Teatro do teatro, conforme alega o diretor do espetáculo: “A força do ato cênico vem das margens. Foi se apresentando em praças, ensaiando em quintais e se mostrando para o povo que o teatro do Maranhão, nos anos 70, atinge seu auge com grupos como o MUTIRÃO, sob a tutela de Aldo Leite e o LABORARTE, com Tácito Borralho. Eles foram mostrar ao povo que havia uma cultura maranhense, que existia um contexto político que tinha suas tramas e que a arte do Maranhão tinha seu valor e sua importância na formação de uma sociedade íntegra. Com fim destes grupos, o teatro se recolheu às salas de espetáculos, centrou-se nos meios acadêmicos, tornou-se mais discussão do que ação, se atrofiou e espera, ainda hoje, que estas pessoas voltem para as salas de espetáculo. Ah! Sonho vão!”
Desta forma, é mudando o foco, partindo do palco para público, que a trupe vai agir, levando até os grandes centros a diversão, a alegria e (...)o questionamento. O preconceito que existe em cima da comédia é justamente este: ela faz rir e rir não é sério. Enganam-se redondamente. É claro que existem espetáculos que visam apenas o riso pelo riso. Eles são frutos do grande mercado do entretenimento, da diversão e da distração. No entanto, a comédia: Um dedo por um dente pretende ir além. Seu intuito é provocar e, por isso, ela sai do teatro e vai fazer barulho perto da casa das pessoas para que elas “acordem”...
Se a trupe Petite Mort, composta por Igor Nascimento, Nuno Lilah Lisboa e Luis Ferreira faz isso, não é por nada messiânico, é o simples reflexo de que a cultura do Estado não é tratada como necessidade básica. Se assim o fosse, as outras necessidades básicas como saneamento, educação, saúde, não seriam problemas que se estendem de administração em administração, pois, com educação e cultura o povo teria consciência de seu poder, indo cobrar das autoridades o que lhe é de direito, custe o que custar [...]. Mas não vamos aqui soltar rojões, deixemos isso para os buzinaços e carreatas. O que se pretende com um teatro de sonhos e magia é, pura e simplesmente, tirar o povo da ilusão.
*Dramaturgo. Autor do premiado livro: O Assassinato de Charlene (Prêmio Secma 2009)



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