domingo, 6 de julho de 2014

MÃE ESPERA QUE FILHO FORAGIDO APAREÇA EM CASA


(Esse é um trecho da peça que estou desenvolvendo escrevendo com Lauande Aires, grande amigo  da Cia Santa Ignorância)  

Justino não tem rumo. Não depois do que fez. Melhor fosse nunca ter sido preso. Na prisão virou monstro de vez. De todos é o mais temido. Conhecido Bode, o matador. Isso todos me falam. Mas ele mesmo, nunca me falou. Ao visitá-lo fico na ponta da mesa da sala de visita. Ele, do outro lado, guarda seu olhar mirado para o chão. Eu, também, abaixo a cabeça. Ficamos assim durante trinta infinitos minutos que se perdem na respiração. Estamos um em frente ao outro, forçado a lembrar eternamente quem somos, como dois espelhos que não acham o reflexo um do outro e se repetem, se repetem, até se tornarem um ponto indefinido de si mesmo. Pesada meia hora que a custo termina, mas não passa. Nunca passa. Fica aqui na garganta e não desce. Por fim, entrego-lhe suas provisões que compro com todo salário que tenho. Deixo-as em cima da mesa. Dou-lhe a benção. Ele a recebe. Não consigo encará-lo por muito tempo. Ele também não me cola os olhos nenhum instante. A pena, disfarço o choro que já me arrebenta as entranhas já então reversadas. Deixo meu filho na jaula, onde se transforma cada vez mais em bicho de faca em mão armada ... Agora, ele está na iminência de atravessar esta porta. Esta porta... Em que dia será que saiu por ela pela primeira vez para roubar? Que dia será que por ela entrou já tendo roubado? Se pudesse desfazer o tempo como que desfaz uma costura, teria trancado aquela porta que dá para o curso rua. Desejaria tê-lo castigado em tempo certo. Desejaria ter vivido um tempo costurado correto.


Igor Nascimento.
06/07/2014

o velho Max


A primeira vez que leu Tolstói perdera o medo da morte, e começou a procurá-la como se fosse um homem no cio em busca de uma boa relação amorosa pela madrugada.

E ainda eram quatro horas da tarde de um dia de domingo, Max não estava acordado. Em seu apartamento que ficava em frente à livraria “Poeme-se” tudo ainda estava bagunçado. Teve mais um daqueles porres na noite anterior e vomitado todo o chão da sala quando chegou em casa.  A barata não parava de rodear o copo cheio de cerveja que ficava em cima da pia desde a semana retrasada, ao lado da cama havia uma meia garrafa de cachaça e dois cigarros Hollywood.  Os três reais restantes na carteira era o suficiente para o almoço.

Max era mais um daqueles que bebiam... E bebiam muito.                                     

Dizem as más línguas que o velho Max amou. Amou quem não deveria amar, mas isso são histórias miúdas que ficam riscadas nas paredes e que pouco importam para um final de tarde. Afinal de contas o amor embora relativo necessita-se de tempo para florescer, não tempo de horas e minutos, mas tempo de vida, um tempo feito de tempo. E é claro que o bom e velho Max estava sem animação nenhuma para acordar cedo, e nem para aproveitar o resto do tempo de dia que lhe sobrara; o seu sono era profundo e nada silencioso. A roupa ainda estava suja e manchada de lama, talvez durante o retorno para casa deva ter caído e rolado pelo chão. Mas todo seu guarda-roupa era apenas duas camisas polos de listras verdes e brancas, uma calça e uma bermuda cinza. Tal situação levava-se a crer que em seu estado normal ele tinha poucos amigos, dois no máximo, o resto deveriam ser “conhecidos de praça” que lhe tratavam cordialmente da forma prescrita; como rege as normais infeccionais da covil sociedade.

Ainda jovem já tinha perdido a expectativa de ser o primeiro em tudo do que fosse durante vida, não olhava mais para frente nem tão pouco para trás, somente perambulava à procura de mais um gole de brasa que lhe pudesse invadir o estômago causando sensações que somente suas ideias eram capazes discernir em meio a toda dormência pós-álcool. Na parede tinha versos e mais versos, resquícios do dia que quis ser poeta, alguns eram do Nauro Machado, outros do Renné Rilke, mas o que mais tinha mesmo eram desenhos, alguns feitos até com o próprio sangue, talvez gostasse de ver sua vida sendo misturada às cores para dar um toque a mais de realidade.