Quando, seu moço
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Referência a um INTERLOCUTOR. Elemento para quem se fala, presente FORA da cena.
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Nasceu meu rebento
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REBENTO / palavra que faz eco com ARREBENTAR e BENTO. Rebento se faz de forma AGRESSIVA. Ideia de PARTO como BENÇÃO VIOLENTA
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ROMPIMENTO DA BOLSA. Ato imprevisto vindo do útero. IMPREVISTO vindo de dentro. AMNIÓTICO LÍQUIDO. Assonância com REBENTO (efeito eco).
Temos aqui os eixos
SURPRESA / IMPREVISTO – DENTRO / FORA
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Já foi nascendo
Com cara de fome |
Nascer: ir para fora.
Fome: necessidade.
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E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar Como fui levando Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar |
INDIGÊNCIA DA MÁE E DO FILHO.
Os dois não têm identidade. Os dois, de certa forma, ainda não nasceram para sociedade.
Os eixos DENTRO / FORA, como nascimento / morte; existência / não existência são tensões que vão se fortificando ao longo do texto.
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“Como fui levando?”. Não sei LHE explicar.
VARIAÇÃO-REPETIÇÃO DE GESTAÇÃO. Mas agora o que está sendo levado é a SITUAÇÃO.
Ela “levou” o que estava DENTRO por nove meses. Agora “leva” o que está FORA. Nos dois campos está o REBENTO. Aqui se obra uma junção do PASSADO e do PRESENTE. Do filho pequeno e do filho crescido.
“Fui assim levando ele a me levar”. Inversão dos papéis MÃE e FILHO. Mas, quando o filho leva, temos o jogo de palavra “alguém me leva”, “alguém me engana”. Ao mesmo tempo, temos o sentido literal da expressão. “ele me leva”, ele me acompanha.
O mecanismo duplo de MÉPRISE (mau entendimento) se instala neste último verso. O FORA engana o de DENTRO. O DENTRO fantasia o FORA.
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E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
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Referência a um novo “FORA”, UMA SAÍDA, UM DESTINO (QUAL?)
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Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! |
RECORTE DE TEMPO PARA O PRESENTE. “Olha aí”, o interlocutor vem para o tempo no qual está sendo proferida a fala.
As figuras de diálogo dominantes até aqui são a NARRAÇÃO e o Profissão de Fé.
No primeiro, a referência a um passado inserido no discurso. No segundo, a exposição de uma “crença” da personagem que surge independente de qualquer conflito. Nesta crença está a imagem central do REBENTO.
Como não sabemos qual é o problema, a trama é acentrada. Ou seja, não há um problema específico para ser resolvido. Há uma ignorância por parte do personagem MÃE em relação ao que acontece com o REBENTO. Não há um mecanismo de conflito. O que é denunciado pela melodia na música, calma e agradável.
Se fosse uma peça, seria uma peça paisagem. O expectador ao poucos, como um andarilho, vai recolhendo as peças do quebra cabeças e montando a situação dramática.
DEFICIT TEATRAL DIFUSO (NÃO SE SABE AINDA MUITO BEM O QUE CAUSOU ESSA SITUAÇÃO)
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Chega suado
E veloz do batente
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PREDOMINANCIA DO PRESENTE CONOTANDO UM HÁBITO
SUOR / VELOZ / BATENTE
BATENTE ALUSÃO DE FECHAR PORTA / MOVIMENTO DE FECHAR PORTA / BATER / ENCERRAR A REFERÊNCIA DO “FORA”- FORA DA LEI
VARIAÇÃO-REPETIÇÃO DA NEGAÇÃO MÉPRISE DA MÃE DO QUE ACONTECE FORA DE CASA, DO BATENTE TRABALHO (DELE E DO FILHO / PORTA (CASA)
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Chega suado
E veloz do batente
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Uso do tempo presente do indicativo. CONOTANDO UM HÁBITO.
SUOR / VELOZ / BATENTE
BATENTE alusão de fechar a porta. MOVIMENTO DE FECHAR PORTA / BATER / encerrar a referência do “FORA” no lado de fora. Configura-se um sistema de VARIAÇÃO-REPETIÇÃO da negação da mãe do que acontece fora de casa, no BATENTE TRABALHO do filho.
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Traz sempre um presente Prá me encabular |
“SEMPRE UM PRESENTE”. Novamente o presente como tempo/situação em confronto com o presente objeto vindo do filho.
Uma pequena tensão se instala e, novamente, não é, nem de longe, percebida pela mãe
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Presença do Interlocutor, mas agora Mesclado a uma Interjeição “SEU MOÇO = NOSSA!” . Esse movimento abafa o INTERLOCUTOR que de PESSOA COM QUEM SE FALA passa a ser uma interjeição no meio do discurso uso. Ele é rebaixado numa espécie de hierarquia sintática.
Ao mesmo tempo, o comentário “SEU MOÇO” é um movimento que a mãe faz para convencer o que está FORA (seu moço, sociedade) que o DENTRO (rebento, presente, roubo) é bom ou, pelo menos, tem as melhores intenções do mundo.
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Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro |
NOVO PRESENTE: BOLSA COM TUDO – OU O TUDO (A VERDADE, O FORA)
Nova REPETIÇÃO-VARIAÇÃO do ARREBENTAR no primeiro verso como referência a bolsa de líquido amniótico.
De certa forma, há novamente a SURPRESA da primeira estrofe, mas esta se dá somente para o expectador. Nesta estrofe, Chico entrega o ladrão para gente, mas para mãe tal denúncia não atinge. Ela gesta um Bandido /REBENTO sem o saber.
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Chave, caderneta
Terço e patuá Um lenço e uma penca De documentos Prá finalmente Eu me identificar |
COMPLETA CEGUEIRA: De um lado todas as provas que, em vez de IDENTIFICAR o que se trata, ela SE identifica. Mas não se trata de se identificar com uma tomada de consciência. Antes, trata-se da obtenção de uma NOVA IDENTIDADE vinda do FORA (fora da lei).
O FORA se tornou DENTRO
Ao mesmo tempo uma nova VARIAÇÃO-REPETIÇÃO do verso “NÃO TINHA NEM NOME PARA LHE DAR”. Não há, no vocabulário da mãe, no léxico materno desta situação, palavra que nomeie o REBENTO de ladrão.
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Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! | |
Chega no morro
Com carregamento Pulseira, cimento |
Gradação MORRO, CIMENTO e CARREGAMENTO – imagem que remetem ao acúmulo e ao peso. Ao mesmo tempo, se espiarmos as últimas estrofes, temos aqui as sombras da tragédia MORTE (EU MORRO) TERRA (CARREGAMENTO) E TÚMULO (CIMENTO).
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Relógio, pneu, gravador
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NOVA GRADAÇÃO “RELÓGIO, PNEU, GRAVADOR” - REFERENCIA AO ROUBO DE CARGA
Novas sombras da morte do final RELÓGIO (TEMPO CORRENTO), PNEU (PRETO, CARRO, TRANSPORTE DE DEFUNTO, RABECÃO, CAMBURÃO) e GRAVADOR (IMPRENSA, foto do jornal com faixa preta)
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Rezo até ele chegar
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Mecanismo de ESQUIVA com a reza
Surge um novo FORA (DEUS, CÉU)
Fuga da morte, mas, ao mesmo tempo, presença de um ALÉM DE MUNDO. Um além daquele plano de realidade que comprime a mãe.
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Cá no alto
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NOVA ESQUIVA. Um se semântico se faz entre o ALTO/CÉU e ALTO/MORRO.
A tensão DENTRO e FORA chega ao paroxismo.
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Essa onda de assaltos
Tá um horror |
NOVA ESQUIVA (aliás, todo o texto é uma esquiva, não?) e ao mesmo tempo, no nível do macrossomo, se obra uma DEFESA: ela empurra a morte do filho e fato do filho ser o causador ou participante de tudo isso (onda de assaltos)
“está um horror” – pode ser também uma DEFESA do horror que pode ser a revelação.
VARIAÇÃO-REPETIÇÃO DE “chega suado veloz do batente, traz sempre um presente para me encabular”. Só que, aqui, ela se encerra no batente da porta no aguardo do filho, o PRESENTE (variação ENCABULAR e HORROR). As tensões são polarizadas: a SURPRESA não é boa se passar pela porta. A surpresa não pode passar pela porta. A mãe é o batente da porta que só permite a entrada do filho de “DENTRO – REBENTO” e não do de “FORA – o BANDIDO, ou a notícia do bandido, ou a morte do filho bandido
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Eu consolo ele
Ele me consola |
EFEITO ECO DE “ELE”
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Boto ele no colo
Prá ele me ninar |
REPETIÇÃ VARIAÇÃO DE “REBENTO”,
Ao ninar um filho já grande (ou que aos olhos da mãe nunca cresceu), o filho (PASSADO) que nina a mãe.
Efeito de reciprocidade conseguido pela repetição do “ele” na frase precedente criando uma espécie de vai e vem “eu consolo ele / ele me consola – ela consola ele/ ele consola ela” movimento do ninar de vai e vem. Os dois são sujeitos e objetos da ação. Mas, pela disposição da frase, o filho está no meio e a mãe está nas pontas.
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De repente acordo
Olho pro lado E o danado já foi trabalhar Olha aí! |
PARTIDA PARA O FORA
VARIAÇÃO-REPETIÇÃO DE “não era o momento dele rebentar”: O FILHO SAIU – O GURI, O MEU GURI (ETERNA CRIANÇA)
“DANADO”, de acordo com as gradações e referências da morte, cria também uma dupla conotação “DANADO BOM – TRABALHADOR”, DANADO MAU “AMALDIÇOADO”
Novamente a tensão DENTRO E FORA, ignorada através de inúmeras esquivas e defesas obradas pela mãe
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Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! |
ORGULHO DA MÃE PELO FILHO “DANADO”
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Chega estampado
Manchete, retrato Com venda nos olhos Legenda e as iniciais |
INVASÃO DO FORA, AINDA IGNORADO (jamais aceito) PELA MÃE.
O menino está estampado no jornal. as iniciais e a venda nos olhos indicam que é um menor e, ao mesmo tempo, são uma alusão à “MÃE CEGA QUE NÃO VIU OS PRIMEIROS INDÍCIOS” de aquilo poderia ocorrer.
Esse jogo de indícios vem sendo anunciado desde o início com VARIAÇÕES-REPETIÇÕES:
1. Chega veloz do batente, traz sempre um presente para me encabular
2. Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
3. Morro, cimento e carregamento / relógio, pneu gravador
4. De repente acordo, olho para lado, o Danado já foi trabalhar”.
O último indício é UM JORNAL que, ainda assim, não está FORA (PRESO , FORAGIDO OU MORTO). O jornal o põe DENTRO do microssomo “meu guri” criado pela mãe O FORA.
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Eu não entendo essa gente
Seu moço! Fazendo alvoroço demais |
O primeiro olhar para o fora: “ESSA GENTE”, SEU MOÇO”, “ALVOROÇO”.
Ela SE CONFESSA, ALÉM DE CEGA, SURDA.O INTERLOCUTOR, OS INTERLOCUTORES NÃO CONSEGUEM ADENTRAR NO MECANISMO DE DEFESA DO DENTRO “MEU GURI” CRIADO PELA MÃE.
O TEXTO CRIA O EFEITO DE UMA ETERNA PROFISSÃO DE FÉ, ou seja, na crença de uma imagem de FILHO.
AO DEFENDÊ-LO ELA SE DEFENDE DE PERDÊ-LO PARA ESTE FORA. Mecanismo instintivo da mãe.
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“MATO” COMO ECO DE “MORRO”
NEGAÇÃO ABSOLUTA DO FORA,
DO CONCRETO.
A MANCHETE VIRA RETRATO DE CABECEIRA DE CAMA OU DE MESA DE CENTRO, FOTO DE RECORDAÇÃO.
O FORA, VIRA O DENTRO, ELE NÃO CONSEGUE INVADIR O ESPAÇO “MEU GURI” ESTABELECIDO. PELO CONTRÁRIO, ELE É CONVERTIDO EM ALGO DO DENTRO, COMO JÁ DITO, UM BOM (LINDO) RETRATO DO MENINO DE “PAPO PARA O AR”
PAPO COMO CONVERSA (TUDO QUE SE FALA PARA ELA É JOGADO PARA O AR) VARIAÇÃO-REPETIÇÃO DE SURDEZ “não entendo Essa gente fazendo alvoroço demais”
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NOVA ESQUIVA E MOVIMENTO PARA A IMAGEM DO “GURI, REBENTO”
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Desde o começo eu não disse
Seu moço! Ele disse que chegava lá |
FINALIZAÇÃO DA PROFISSÃO DE FÈ “não disse, seu moço, que ele chegava lá”
OPERA-SE A CISÃO DO FORA COM DENTRO. A CONCLUSÃO REFORÇA A IDEIA DESSE CORTE. NADA IRÁ CONVENCÊ-LA, NADA IRÁ “ARREBENTAR” COM A IMAGEM QUE ELA TEM DO REBENTO.
QUANDO DIZ “desde o começo” FAZ-SE UMA VARIAÇÃO-REPETIÇÃO DOS PRIMEIROS VERSOS.
A MULHER, AO PARIR, SE SEPARA DO QUE ESTAVA GESTANDO PARA NOVAMENTE TÊ-LO COMO FILHO.
EXISTE O MOVIMENTO DE SEPARAÇÃO E UNIÃO
QUANDO ELA NEGA A NOTÍCIA DO JORNAL, ELA ROMPE COM REALIDADE. ELA PARI O GURI MORTO QUE É NOVAMENTE COLOCADO NOS BRAÇOS DA MÃE ATRAVÉS DO JORNAL COMO VIVO.
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CONCLUSÃO EM UMA IMAGEM:
ELA PARI O FILHO PARA REALIDADE E A REALIDADE LHE PARI O FILHO, MAS OS DOIS NASCIMENTOS, PARA MÃE, TEM CONOTAÇÃO POSITIVA.
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"Pequena morte (Petite Mort), chamam em França, a culminação do abraço que, ao quebrar-nos faz por juntar-nos, perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce." Eduardo Galeano
sexta-feira, 6 de junho de 2014
ANÁLISE DRAMATÚRGICA DE "Meu Guri"
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