domingo, 6 de julho de 2014

o velho Max


A primeira vez que leu Tolstói perdera o medo da morte, e começou a procurá-la como se fosse um homem no cio em busca de uma boa relação amorosa pela madrugada.

E ainda eram quatro horas da tarde de um dia de domingo, Max não estava acordado. Em seu apartamento que ficava em frente à livraria “Poeme-se” tudo ainda estava bagunçado. Teve mais um daqueles porres na noite anterior e vomitado todo o chão da sala quando chegou em casa.  A barata não parava de rodear o copo cheio de cerveja que ficava em cima da pia desde a semana retrasada, ao lado da cama havia uma meia garrafa de cachaça e dois cigarros Hollywood.  Os três reais restantes na carteira era o suficiente para o almoço.

Max era mais um daqueles que bebiam... E bebiam muito.                                     

Dizem as más línguas que o velho Max amou. Amou quem não deveria amar, mas isso são histórias miúdas que ficam riscadas nas paredes e que pouco importam para um final de tarde. Afinal de contas o amor embora relativo necessita-se de tempo para florescer, não tempo de horas e minutos, mas tempo de vida, um tempo feito de tempo. E é claro que o bom e velho Max estava sem animação nenhuma para acordar cedo, e nem para aproveitar o resto do tempo de dia que lhe sobrara; o seu sono era profundo e nada silencioso. A roupa ainda estava suja e manchada de lama, talvez durante o retorno para casa deva ter caído e rolado pelo chão. Mas todo seu guarda-roupa era apenas duas camisas polos de listras verdes e brancas, uma calça e uma bermuda cinza. Tal situação levava-se a crer que em seu estado normal ele tinha poucos amigos, dois no máximo, o resto deveriam ser “conhecidos de praça” que lhe tratavam cordialmente da forma prescrita; como rege as normais infeccionais da covil sociedade.

Ainda jovem já tinha perdido a expectativa de ser o primeiro em tudo do que fosse durante vida, não olhava mais para frente nem tão pouco para trás, somente perambulava à procura de mais um gole de brasa que lhe pudesse invadir o estômago causando sensações que somente suas ideias eram capazes discernir em meio a toda dormência pós-álcool. Na parede tinha versos e mais versos, resquícios do dia que quis ser poeta, alguns eram do Nauro Machado, outros do Renné Rilke, mas o que mais tinha mesmo eram desenhos, alguns feitos até com o próprio sangue, talvez gostasse de ver sua vida sendo misturada às cores para dar um toque a mais de realidade.


 

- Ele foi poeta? Perguntou o cliente de óculos escuros que comprava um livro comum de bolso.

 - Tentou ser... Na verdade foi muitas coisas, até tinha emprego, mas não tinha dinheiro. Respondeu o livreiro.

  - E como sobrevivia?

- Não sobrevivia... Apenas conferia o tempo que passava. Respondeu. Eu trabalho aqui já há muito tempo com a Livraria e de vez enquanto eu me esbarro com o velho Max. Ele vem sempre aqui ver se tem algum livro que ninguém comprou, ou que já esteja velho de mais para ser comercializado. Passa aqui, conversa com os clientes e sempre toma café da manhã com aquela senhora que vende cuscuz em frente ao Teatro... Você conhece?

 - Sim, Sim sei onde é.

 - Pois bem, às vezes almoça na feirinha, isso quando tem dinheiro, e sempre acompanhado de uma cerveja.

 - E de que trabalhava? Quem pagava o aluguel? Como isso era possível?

- Bom! Isso São muitas perguntas para se saber sobre o velho Max.

Mas o que ainda se sabe é que a mãe do velho Max, uma senhora importante, o educou a vida inteira para que fosse médico ou até mesmo engenheiro, mas o nosso bom e velho rapaz preferiu a artes e a esbornia. Sentia-se mais à vontade com as cores e com as marteladas dos pincéis juntamente com todo cheiro tóxico das tintas que embriagavam suas imagens, onde nasciam significados pueris cheios de meditações devassas. Gostava das linhas, da perspectiva, seu estilo era mais moderado, pintava a reflexão pura da poesia que tentava escrever. Pintava casas, fazia da grama azul e das paredes verdes, buscava encontrar em seu interior um traço perfeito que não houvesse contestação. Não gostava de briga, às vezes radical e confiante sempre sabia como se comportar, fazia algumas encomendas para escritórios, hospitais, e para alguns burgueses ostentadores de uma média arte, sem saber o valor do artista pagavam qualquer preço para Max e sem saber lhe ajudavam-no a esquecer de si, com tão pouco dinheiro era quase um mendigo. Só não chegava a mendigar porque todos daqui da redondeza o ajudam como podem, além de pintar e vender suas telas também faz alguns trabalhos domésticos outros até tecnológicos, sabia e ainda sabe muito bem mexer em computadores, entretanto o que mais saber fazer é transmitir seus fantasmas, aquelas imagem que ficam querendo jorrar da cabeça para o fundo da tela em meio a diagonais, curvas, elipses e paralelos. Tudo muito exato. Às vezes o seu mundo era pequeno e outras liberal, mergulhava nas tintas das emoções. Dos dois amigos que tinha apenas um lhe visitava, de aparência meio cafuza e de olhos um pouco verde e baste alto, este amigo lhe emprestava sempre uma boa quantia para que o velho Max se mantivesse durante a semana.

 - Poderia ser um namorado! Falou o cliente.

 - Não, não... Respondeu o livreiro. O querido pouco namorou, teve apenas um ou dois casos nada muito firme. Embora homem fosse, e possuísse suas necessidades que só a carne pode suprir,  o querido e velho Max namorava mesmo era as telas que próprio fazia. Apropriava-se do verde com uma dinâmica corporal que parecia até mesmo está fazendo algum tipo de relação sexual com suas telas.

Embora a conversa entre o livreiro e seu cliente estivesse empolgante sobre a vida do velho Max, esqueciam-se de Fausto, o cachorro que Max tinha, era um vira-lata manco e com metade do rabo cortado, lambia toda sua boca retirando o resto do vômito que ainda lhe sobrava nas penúltimas horas da tarde de domingo. Não era a primeira vez e nem muito menos a última que o velho Max chegava assim em casa.

De condição financeira média e desligada das regras do Capital, sua vida era como não sonhava; além das ajudas dos próximos e do amigo cafuzo, vivia ainda de uma pensão que seu pai antes de morrer havia lhe deixado, e com isso poderia beber todo o dinheiro sem medo. Suspeita-se também que Max também lera Goethe, mas que nada lhe adiantou.

O que pouco sabia o livreiro e o cliente é que o velho Max não estava somente dormindo após um porre, estava transformando-se na sua própria arte, deitado de bruços  Fausto, seu cachorro, abrasava-se ao dono como se quisesse fazer parte de seu sono, entretanto ele não acordava, a língua do seu animal de estimação percorria a face do pobre moço. A única coisa que acontecia é que do nariz de Max brotava lentamente uma tinta azul, não um azul comum, mas uma azul celeste em que os olhos não poupavam-se de ver para que o pudesse prestigiar, e a língua de Fausto traçava na tinha e escorrida pela cara misturando-se ao vômito da cachaça. Os cabelos transformavam–se em dourados cada fio ao final da ponta pingava outras cores que em pouco a pouco o cachorro espalhava pelo corpo do querido Max.  E seu corpo transformava-se em tela viva, e morta-viva à mesma que tremia as linguadas de Fausto.

 - Isso é boato. Replicou o cliente.
- Talvez, mas na hora de dormir após o porre tudo acontece. Disse o Livreiro.

 - Depois dessa eu vou pra casa. Falando aos risos

 - Algumas histórias são sempre estórias. É esse livro mesmo que você vai levar?

 - Sim!

 - Aqui está seu troco.

 - Obrigado! Uma pergunta só!?

 - Fale.

 - Compro livros há tanto tempo e nunca seu o seu nome.

  - É  Maximiliano, mas pode me chamar de Max.

 O cliente saiu atordoado do estabelecimento, hesitou por dois segundos que a farsa estória poderia ser verdade. Afinal Max, existindo ou não, representava para muitos um exemplo a não ser seguido e tão pouco admirado. Uma vida radial de boemia não é para todos.  Max talvez fosse aquele que o fogo recusou-se a queimar ou até mesmo que a terra deixou de comer.


Luís Ferrara
2013

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