A primeira vez que leu Tolstói perdera o medo da
morte, e começou a procurá-la como se fosse um homem no cio em busca de uma boa
relação amorosa pela madrugada.
E
ainda eram quatro horas da tarde de um dia de domingo, Max não estava acordado.
Em seu apartamento que ficava em frente à livraria “Poeme-se” tudo ainda estava bagunçado. Teve mais um daqueles porres
na noite anterior e vomitado todo o chão da sala quando chegou em casa. A barata não parava de rodear o copo cheio de
cerveja que ficava em cima da pia desde a semana retrasada, ao lado da cama
havia uma meia garrafa de cachaça e dois cigarros Hollywood. Os três reais restantes na carteira era o
suficiente para o almoço.
Max era mais um daqueles que bebiam... E bebiam muito.
Dizem
as más línguas que o velho Max amou. Amou quem não deveria amar, mas isso são
histórias miúdas que ficam riscadas nas paredes e que pouco importam para um
final de tarde. Afinal de contas o amor embora relativo necessita-se de tempo
para florescer, não tempo de horas e minutos, mas tempo de vida, um tempo feito
de tempo. E é claro que o bom e velho Max estava sem animação nenhuma para
acordar cedo, e nem para aproveitar o resto do tempo de dia que lhe sobrara; o seu
sono era profundo e nada silencioso. A roupa ainda estava suja e manchada de
lama, talvez durante o retorno para casa deva ter caído e rolado pelo chão. Mas
todo seu guarda-roupa era apenas duas camisas polos de listras verdes e brancas,
uma calça e uma bermuda cinza. Tal situação levava-se a crer que em seu estado
normal ele tinha poucos amigos, dois no máximo, o resto deveriam ser “conhecidos
de praça” que lhe tratavam cordialmente da forma prescrita; como rege as
normais infeccionais da covil sociedade.
Ainda
jovem já tinha perdido a expectativa de ser o primeiro em tudo do que fosse durante
vida, não olhava mais para frente nem tão pouco para trás, somente perambulava à
procura de mais um gole de brasa que lhe pudesse invadir o estômago causando
sensações que somente suas ideias eram capazes discernir em meio a toda
dormência pós-álcool. Na parede tinha versos e mais versos, resquícios do dia
que quis ser poeta, alguns eram do Nauro Machado, outros do Renné Rilke, mas o
que mais tinha mesmo eram desenhos, alguns feitos até com o próprio sangue, talvez
gostasse de ver sua vida sendo misturada às cores para dar um toque a mais de
realidade.
-
Ele foi poeta? Perguntou o cliente de óculos escuros que comprava um livro
comum de bolso.
-
Não sobrevivia... Apenas conferia o tempo que passava. Respondeu. Eu trabalho
aqui já há muito tempo com a Livraria e de vez enquanto eu me esbarro com o
velho Max. Ele vem sempre aqui ver se tem algum livro que ninguém comprou, ou
que já esteja velho de mais para ser comercializado. Passa aqui, conversa com
os clientes e sempre toma café da manhã com aquela senhora que vende cuscuz em frente
ao Teatro... Você conhece?
-
Bom! Isso São muitas perguntas para se saber sobre o velho Max.
Mas
o que ainda se sabe é que a mãe do velho Max, uma senhora importante, o educou
a vida inteira para que fosse médico ou até mesmo engenheiro, mas o nosso bom e
velho rapaz preferiu a artes e a esbornia. Sentia-se mais à vontade com as
cores e com as marteladas dos pincéis juntamente com todo cheiro tóxico das
tintas que embriagavam suas imagens, onde nasciam significados pueris cheios de
meditações devassas. Gostava das linhas, da perspectiva, seu estilo era mais
moderado, pintava a reflexão pura da poesia que tentava escrever. Pintava
casas, fazia da grama azul e das paredes verdes, buscava encontrar em seu
interior um traço perfeito que não houvesse contestação. Não gostava de briga, às
vezes radical e confiante sempre sabia como se comportar, fazia algumas
encomendas para escritórios, hospitais, e para alguns burgueses ostentadores de
uma média arte, sem saber o valor do artista pagavam qualquer preço para Max e
sem saber lhe ajudavam-no a esquecer de si, com tão pouco dinheiro era quase um
mendigo. Só não chegava a mendigar porque todos daqui da redondeza o ajudam
como podem, além de pintar e vender suas telas também faz alguns trabalhos
domésticos outros até tecnológicos, sabia e ainda sabe muito bem mexer em
computadores, entretanto o que mais saber fazer é transmitir seus fantasmas,
aquelas imagem que ficam querendo jorrar da cabeça para o fundo da tela em meio
a diagonais, curvas, elipses e paralelos. Tudo muito exato. Às vezes o seu
mundo era pequeno e outras liberal, mergulhava nas tintas das emoções. Dos dois
amigos que tinha apenas um lhe visitava, de aparência meio cafuza e de olhos um
pouco verde e baste alto, este amigo lhe emprestava sempre uma boa quantia para
que o velho Max se mantivesse durante a semana.
Embora
a conversa entre o livreiro e seu cliente estivesse empolgante sobre a vida do
velho Max, esqueciam-se de Fausto, o cachorro que Max tinha, era um vira-lata
manco e com metade do rabo cortado, lambia toda sua boca retirando o resto do
vômito que ainda lhe sobrava nas penúltimas horas da tarde de domingo. Não era
a primeira vez e nem muito menos a última que o velho Max chegava assim em
casa.
De
condição financeira média e desligada das regras do Capital, sua vida era como
não sonhava; além das ajudas dos próximos e do amigo cafuzo, vivia ainda de uma
pensão que seu pai antes de morrer havia lhe deixado, e com isso poderia beber
todo o dinheiro sem medo. Suspeita-se também que Max também lera Goethe, mas
que nada lhe adiantou.
O
que pouco sabia o livreiro e o cliente é que o velho Max não estava somente
dormindo após um porre, estava transformando-se na sua própria arte, deitado de
bruços Fausto, seu cachorro, abrasava-se
ao dono como se quisesse fazer parte de seu sono, entretanto ele não acordava,
a língua do seu animal de estimação percorria a face do pobre moço. A única
coisa que acontecia é que do nariz de Max brotava lentamente uma tinta azul,
não um azul comum, mas uma azul celeste em que os olhos não poupavam-se de ver
para que o pudesse prestigiar, e a língua de Fausto traçava na tinha e
escorrida pela cara misturando-se ao vômito da cachaça. Os cabelos
transformavam–se em dourados cada fio ao final da ponta pingava outras cores
que em pouco a pouco o cachorro espalhava pelo corpo do querido Max. E seu corpo transformava-se em tela viva, e
morta-viva à mesma que tremia as linguadas de Fausto.
-
Talvez, mas na hora de dormir após o porre tudo acontece. Disse o Livreiro.
Luís
Ferrara
2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário