domingo, 24 de novembro de 2013

NÃO, QUERIDO, NÃO SE VOA COLOCANDO ASPAS NO VERBO "VOAR" - Crítica a Velhos Caem do Céu como Canivetes

                
           Convém-se que a Tragédia é a derrota do Homem diante da vontade divina. Não se luta contra o que foi preestabelecido pelos “Céus”.  Por mais cruel que o destino possa parecer, o Homem é regido por estas convenções de ordem divina e/ou social e deve respeitá-las. O ato que vai de encontro àquilo que lhe foi conferido pelos deuses ou/e pela sociedade culminará em um terrível fim. Seu caráter transgressor, que parecia sua maior qualidade, será o responsável por sua queda. Mesmo arrependido, continuará caindo até se chocar contra um sólido fundo trágico...
Nós, do lado de cá, sentindo terror e piedade, nos purgamos daquele defeito de caráter que parecia tentador em um primeiro momento, pois deu ao Herói toda glória que possuía; mas, depois, tornou-se indigesto, daí a purgação. Essa é a catarse, grosseiramente resumida e efetivamente útil quando se trata de adaptar o sujeito às convenções:

 “Aristóteles formulou um poderosíssimo sistema purgatório, cuja finalidade é eliminar tudo que não seja comumente aceito, legalmente aceito, inclusive a revolução, antes que aconteça. O seu Sistema aparece dissimulado na TV, no cine, nos circos e nos teatros. Mas a sua essência não se modifica. Trata-se de frear o indivíduo, de adaptá-lo ao que pré-existe.” (BOAL, 1931).
      
              Em Velhos Caem do Céu como Canivetes, da Pequena Cia de Teatro, temos uma montagem que vai de encontro a todo esse sistema coercitivo que é denunciado por Augusto Boal em Teatro do Oprimido. A Tragédia é posta ao avesso. O que se vemos é um drama com ares trágicos, ou, uma “antitragédia”. Já explico...
     

ACERTOS FILOSÓFICOS

         

Sonhos todos têm. Maioria, irrealizáveis. Por em prática o projeto sonhado significa perder o sono. Sonhar acordado pode causar insônia. Sonhar pode cansar. Peso de sonhos é caro, paga-se a preço de alma e corpo. Por isso que muitos dos que vivem sonhando não voltam. Criam uma realidade em linha paralela que finda por acolchoar a realidade reta de linhas tortas... O que afeta muitos julgamentos é que a realidade é tão ilimitada quanto o sonho. Não sabemos nem o que é um, nem o que é o outro. O que é Real, o que é Sonho? Um dia ouvi falar de um homem que sonhou que era uma borboleta, mas o sonho lhe foi tão verdadeiro que, quando acordou, pensou que era uma borboleta sonhando que era um homem. Na inevitável existência destes dois planos, o melhor é equacioná-los. Se eu tornar o sonho em realidade, ou a realidade, em sonho; não vou viver encerrado na dúvida. Tenho, aqui, uma probabilidade filosófica de 50% de acerto. Dar tudo de si por uma ideia não é uma loucura. Gastar todos os seus recursos físicos e/ou financeiros para por em prática um sonho não parece nem um pouco insano. Muito pelo contrário. É o que garante que nossa existência tenha propósito em qualquer plano seja ele físico ou metafísico. Na verdade, esse tipo de discernimento seria completamente dispensável. Sonhar e Fazer, Fazer e Sonhar. Verbos que não me permitiriam pensar em “ser ou não ser”, jamais.

Igor Nascimento

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Crônica do homem que envelhece


         A idade bate em todo mundo. Para o homem, o sinal amarelo se dá, na maioria das vezes, na hora tirar água do joelho. Os alarmes soam quando aquele 1º jato de urina custa a sair. Se o homem é jovem, não liga tanto. O homem que envelhece logo pensa: “será a próstata?”. Mas o mal presságio passa. Ele, finalmente, urina! No entanto, outro sinal alarmante: sem querer, naquele momento de urológica epifania, eis que o esfíncter do homem se distrai e deixa sair aquele peidinho. A princípio, relaxa. Mas, depois, isso se torna um problema. A cada vez que vai ao banheiro fazer o número 1: lá está o peidinho. Às vezes, dois. Três. Mesmo quatro. A coisa já escapou do controle. Com o tempo, o homem que envelhece não consegue mais mijar com alguém por perto. Embora muito apertado, espera que todos saiam do banheiro porque, infelizmente, tornou-se o escravo. De quem? Do peidin'. Em casa, o problema se torna maior. Os gases intestinais que se expressam na vida comum de um casal são toleráveis à medida do possível. Mas nem sempre quem está ao seu lado tem intimidade para levar tudo numa boa. A equação atinge, aqui, sua maior complexidade. O homem, no meio da noite, sem saber o que fazer, quase explodindo da bexiga - o que significa que maior será o barulho do rabo treleando -, desesperado, não vê alternativa a não ser mijar sentado e peidar em abafadas prestações. Eis o retrato do homem que envelhece! A idade não bate na gente. Ela simplesmente nos vai empurrando e, o que bate, são os tropeços que damos enquanto somos, por assim dizer, conduzidos gentilmente para o outro lado. O tempo nos coloca em cada lugar e em cada situação, vou te contar! Você, querido, homem, fique atento para estes sinais. Não fique com medo. No banheiro, querendo ou não, acabamos nos confessando. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

LE BAISER

 "Minha pátria, minha língua", dizia Pessoa. Várias línguas, inúmeros meios de dizer "eu, tu, ele, nós etc.". O pensamento tem sua topografia. Sentir é poder explorá-la. Tem ciência mais bonita do que a geografia? Talvez, nos calhamaços da escola, tal beleza não se encontre. Mas o tempo é feito de terra, areia, rocha, vento, mar. A língua tem isso. O paladar, o sabor da palavra que sai da boca, se afunila no ouvido e sopra no cérebro. Isso é relevo. A linguagem é selva; o verso, uma aventura! Poder falar é embarcar neste oceano. Uma das razões de ser poliglota é a ter mais possibilidades de meter o nariz onde não se é chamado. Um motivo para escrever é tentar seduzir aquilo que já te seduziu! São línguas e línguas!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

QUE SE DANE!



Toda vez que olho aquele mendigo sinto algo diferente. É seu corpo na chuva, no sol, na noite. Subitamente, a piedade me assalta... Não é nem o mendigo, nem o tempo que mudam. É minha cara. Meu rosto. Meus olhos o tocam e sentem uma espécie de pavor, reverberado em cada músculo da face. Quando digo “coitado” sem palavras, mas com o pescoço maneando a cabeça, faço um gesto de recusa. Jogo pros céus a responsabilidade social por aquele indivíduo. O seu destino pertence à puta que o pariu. Mas, agora, por que, ao pedir que lhe salvem, olho discretamente para cima, e não para ele?E se ele perceber o meu olhar fazendo uma comparação inconsciente entre ele e eu? É aqui que retomo a marcha que fazia. Pra onde, mesmo? Na direção daquele homem deitado no chão. Mais acima, dobro a direita, esquerda, reto, direita novamente. Vamos lá? Passo pelo pedinte. Esquivo-me do seu pedido com um gentil “não tenho”. Algo me impede de ir lá e sacudi-lo. Aquele ser é um inútil que deve ter uma função. Qual? Que vá procurar! Não é sequer um mendigo, digamos, profissional; se o fosse, teria a perna gangrenada e, aqui, minha piedade encontraria o drama que precisa. Não se pode fazer muita coisa com uma perna podre, não é? Cortá-la seria prudente, mas não sou um sujeito gabaritado para fazê-lo. Portanto, pra quê sentir tanta pena? Pra quê? Por quê? Se não tivesse tanta piedade, o mandaria trabalhar. Vai trabalhar vagabundo! Quem sabe, dar-lhe-ia um trabalho, ou uma roupa para ir procurar trabalho. Se não tivesse tanta piedade, talvez o tocasse, ignorando esse cheiro de mijo insuportável. Todavia, a pena que tenho dele é baseada na pena que ele carrega. Esta relação abstrato-concreta não pode se quebrar, caso contrário, desmancharia a coerência da contradição.  Se tivesse piedade de mim, não teria piedade alguma dele. Se não tivesse piedade de nada, mudaria o mundo.  E mudar o mundo é uma coisa extremamente difícil, estou certo? Sejamos realistas.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O GRITO - Apresentação de Carroça com Nêgo no Grita



           
 Um événement: foi isso que aconteceu no Anjo da Guarda domingo, 14 de Julho - data interessante para refletir sobre revolução, liberdade, fraternidade e igualdade.  Existia ali um quê de revolução, ou de reboliço. Duas companhias de teatro se apresentando na periferia de São Luís com os espetáculos A Carroça é Nossa (Xama Teatro) e Nego Cosme (Cena Aberta). Grupos parceiros da Petite Mort.
A empreitada do Grupo Grita (que cedeu o espaço e os técnicos) nos possibilita refletir sobre as alternativas para fruição da produção teatral no Maranhão - terra em que a medida peça por espectador quadrado ainda causa um pouco de contradição.  
O mecanismo pecinha + divulgação = espero, Deus, que eles venham, já cai um pouco por terra. Se quisermos atingir um público que não vê teatro como uma necessidade, como um bem, ou seja, se não podemos, no Maranhão, dizer “Bicho, para onde vamos hoje? Cinema? Bar? Teatro?”, a dinâmica precisa mudar.  A boa solução é juntar os grupos e fazer eventos dessa natureza. Vários espetáculos num só dia. Três dias de espetáculos. Uma oficina ali, outra lá, e toma mais espetáculo!
A tática: ganhar pelo cansaço. A palavra é forte, sei... Mas vivemos numa época em que a constância dita as regras. Novelas, geralmente, não são boas, mas estão lá, todo santo dia. É uma “malhação” que se faz no espírito. Tratando-se de esporte, portanto, o que vale? Frequência e explosão - o happening, que traduzido no inglês fica mais ou menos assim: “um tipo de exposição que gera um certo bafafá”.
       

Essa é a dinâmica do mundo midiático que nós temos que assimilar. Muitas pessoas só conseguem serem ouvidas quando se unem para falar a mesma frase e por muito tempo - e bem alto! Vimos isso acontecer no Brasil, quando o “gigante” acordou, não é, gigante? Ei, gigante! Ei! Acorda! Ah, desculpe, tive a impressão que vossa senhoria estava cochilando...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Tra il Cane i il Lupo ou Entre o Cão e o Lobo

  


 Talvez na velhice,
Quando não mais meus pés tocarem o chão,
Quando este corpo não mais suportar essa alma que se evade aos poucos,
Poderei ver  assim, as luzes no final da tarde escondidas tra il cane  i il lupo ( entre o cão e o lobo).

 Luis Ferreira - para Dona Derrisão


Em algum lugar onde as imagens não mudam...


sábado, 8 de junho de 2013

OLHA QUEM ESTÁ LÁ! COITADO. NA SARJETA...


       Caderno de Direção #12

      A imagem quando se desgruda do fundo fica assim: igual à bituca de cigarro. Não é mais cigarro. É bituca. É lixo. E lixo são pedaços de coisas ou coisas em pedaços.

Não é comum ver um papai Noel jogado por onde corre esgoto, rato e toda sorte de porcaria. Confesso que, quando olhei, achei engraçado, diabolicamente engraçado:

- Eu sempre me perguntei: o que fazia o papai Noel no período do São João?...  

Todavia, como o Diabo é também um amante da filosofia (Fausto é testemunha), logo tirei o riso do canto da boca para analisar mais, digamos, dialeticamente:

- Aquilo era um símbolo jogado fora sem mais nem menos. Ali não tinha nenhuma mensagem de Natal, embora estejamos em pleno São João, o que, sem dúvida, já é o suficiente para pararmos por aqui, mas não! Espere... Aqui existe um paralelo entre o Alzheimer (o tema da nossa pecinha, lembrou?) e o nosso mundo moderno:
-Se, na caduquice, a memória se apaga gradualmente, na contemporaneidade, os nossos símbolos estão também se esfumaçando. O resultado em comum: cada instante é um instante novo, separado do que veio antes e do que virá depois.

Cada símbolo tem a essência de uma cultura e, se toda a simbologia de um povo se concentra em um jogador de futebol ou naquele pop star de calças cerradas, não é pelo fato deste povo não ter essência. Longe disso. Ele tem essência, o problema é que ela evapora muito rápido. Tão rápido, que parece que não há essência alguma ali, assim como não há memória alguma em um portador em estágio terminal do Mal de Alzheimer.

O tempo não perdoa. O tempo sem amarras na memória, menos ainda.

domingo, 2 de junho de 2013

DONA L. DONA N.


Contornos que se confundem. Olhando, já não sei mais o que é mão e o que é rosto. Em determinado momento, a gente se torna mais contorno do que preenchimento. Viramos aquilo que nos cerca. Viramos esboços tão cheios de linhas que parecemos outro desenho. Na verdade é outro desenho. É bom abordar a questão assim. O contorno muda o formato.Devemos pensar de outro jeito para contornar a situação. Voltaremos ao estágio inicial ou começaremos a partir daqui?  


quinta-feira, 9 de maio de 2013

JOGO ABERTO

Caderno de Direção # 11
          
Nuno e Luís em processo de escrita

          O texto dramático é corpo. Faz parte do jogo. Escrever, antes de tudo, é criar uma lógica entre os signos, dos quais a palavra é apenas um entre muitos. Daí existir a dramaturgia do ator, a dramaturgia da luz, a dramaturgia da música etc. 

         Nosso problema: o texto baseado no jogo de réplica sobre réplica não nos serve completamente. O personagem principal vai perdendo a memória e ficando débil. Exploramos os quiproquós e a comédia dos erros. Mas estes, ao longo de toda uma peça, podem gerar uma tensão por parte das pessoas que cuidam dos doentes e dos especialistas. Este drama não é apenas nosso, é um drama alheio também: precisamos tratá-lo com cuidado para não cair em polêmicas desnecessárias. 

          Nossa solução: à medida que o personagem principal perde a consciência e a memória, o texto perde as amarras das réplicas e busca novas maneiras de dialogar. Primeira e terceira pessoa se entrecruzam. Discursos se sobrepõem formando não mais o conflito, mas a paisagem da situação dramática. O texto se acaba, para dar origem a um diálogo de sons com dois personagens querendo lembrar uma música esquecida, a saber, “Dona Derrisão”. 

          O texto está em aberto. As possibilidades, antes limitadas em função dos sintomas da doença, agora são inúmeras. O objetivo atual é aprimorar nosso método baseado em tensões e ritmos para compor/escrever as cenas que ainda faltam, utilizando os depoimentos, textos científicos, memória do ator, reportagens, criando através de improvisos...


Tabuleiro dos Níveis de Expressão baseado em quatro situações: tensão , contração, expansão e dispersão. Em breve postaremos mais sobre isso.
           A vantagem desse trabalho de parto invertido é que o texto, a cena, as marcas e a luz, às vezes, surgem de uma só vez: acasos vestidos de coincidências. Os resultados hão de aparecer, é certo. Até lá, ensaios e mais ensaios.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Alucinações: Súplicas em Agonia... aos pobres condenados, reféns do Alzheimer.


Alucinações…
De repente, a situação chega a um ponto em que os pobres condenados, reféns do Alzheimer, surtam de tal forma, que, coisas que não existem, em razão de seus devaneios, passam a existir…

Exemplo:
— Espelhos surgem como janelas.
— Seu reflexo no espelho passa a ser outra pessoa: um amigo imaginário.
— Esse amigo imaginário — que se mostra através do espelho — torna-se uma visita rotineira.
— Diálogos começam a ser travados com esse tal amigo que nem ao menos existe.
— Essa estranha relação gera lembranças de momentos que, em momento algum, se fizeram fatos.

Súplicas em agonia: E eis que algo desconhecido aos nossos olhos a surpreende, e com um gesto seu, impremeditado, o diálogo travado, no imediato instante, por ela, é interrompido; eis a hora em que é perceptível a presença de algo que a incomoda; e não tarda para que horrendas criaturas — crias de seu próprio tormento — venham a se revelar de modo a arrombar a sua retina, e a causar-lhe assombros ao espírito. A fobia, proveniente de seus delírios, se faz de carrasco; e a tal expressão: “Meu Deus!”, — proferida com tórpida aflição por duas vezes — provém de sua boca como um rogo que lhes serve de refúgio a preceder tal suplício.  



Cena:

“— Ah, meu Deus… ah, meu deus…”.
“Eles estão na cadeira!”
“Eles são animais… com pernas longas!”
“Tem tantos deles ali nas caixas (Há alguns deles naquelas caixas).”

Nuno Lilah Lisboa


TEATRO E FILOSOFIA POR SOBRE O TABLADO

           O Teatro nasce na Grécia assim como a Filosofia. Deste ponto as relações existentes entre estas duas formas de expressão da alma tornam-se cúmplices ao estarem em uma busca constante da explicação do ser [ inteligível/imutável], onde  o teatro, que se utiliza de técnicas do elemento estético para representar espiritualmente a condição humana, encontra junto à Filosofia uma manifestação original da dimensão artística e da reflexão conceitual. 
             Para Aristóteles, a idealização é o modo próprio da tragédia, onde aparece o herói fora do cotidiano do espectador, o que nos faz lembrar Brecht, quando em seu teatro estabelece um distanciamento, uma quarta parede, entre ator, personagem e público, este último não se envolve no enredo da dramaturgia, estabelecendo assim uma atmosfera de valores que não se apagam quando se fecham as cortinas. Mesmo nascendo durante festas a Dionísio o Teatro começou a questionar o esforço humano para obter a ajuda dos deuses, assim a critica social cresce juntamente ao avanço cultural grego, a personificação dos elementos da natureza dentro dos ritos de fertilidades já não mais são suficientes para se entender o mundo da forma que é apresentada a este homem inquieto. Agora o antigo “xamã” que se portava da voz dos deuses, e que assumia o movimento dançante para se chegar ao êxtase do sagrado dá lugar a Téspis, o primeiro ator que se tem notícia que empresta seu corpo e sua voz, para então assim representar a obra do poeta e distinguir o deus-ator, para o ator-personagem.
               Para este primeiro momento da pesquisa nos prenderá na figura do ator; a distinção entre o ator que assume a voz dos deuses e aquele que apenas a representa, Assim, compreendemos que o teatro é dotado de ação, e o ator constitui-se enquanto elemento principal da ação; se retiramos o texto, o espaço da representação e toda maquinaria que compõe o teatro ele ainda existirá, no entanto se retiramos o ator do teatro este último não mais fará sentido , visto que o teatro é arte do ator, pois foi Téspis que ao subir na carroça e distanciar-se do coro começou-se então a aparecer uma reflexão interior do filósofo, com debate de ideias no movimento filosófico e com o processo de artes em detrimento das críticas da sociedade grega, com busca de sentido e valores da existência.
              Para Nietzsche em O nascimento da tragédia. “O grego conheceu e sentiu os temores e os horrores do existir este sentimento refletiu-se em sua arte dramática, onde se destaca Sófocles que apresenta o homem enquanto detentor da consciência destes próprios horrores em um sofrimento sem saída, aqui percebemos que para Sófocles voltar-se contra os deuses, não significa um moira [ destino] de castigos supremos , mas sim um estagio de transformação e independência da condição humana , Édipo não deixa de enxergar e por ter furado os olhos, deixa apenas de ver as coisas matérias, passa a enxergar ainda melhor suas razoes existentes. É neste momento que o ator deixa de ser o canal de transposição da vontade dos deuses e constitui-se enquanto um representador.

Referências
ARISTOTELES. A poética. São Paulo. Martin Claret. 2010
BERTHOL, Margot. Historia Mundial do Teatro. São Paulo. Perspectiva. 2004
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo. Cia das Letras. 2007

quinta-feira, 7 de março de 2013

É preciso mentir para falar a verdade


*Artigo publicado no  Guesa Errante quando da Circulação de Um Dedo por um Dente


Por Igor Nascimento*
No meio deste bang-bang de jingles de campanha e das inúmeras propostas para melhoria da cidade de São Luís, a trupe Petite Mort decidiu também sair pelos bairros, buscando, em vez de eleitores, espectadores.
Em cena, a estória de duas caveiras. Elas não irão prometer nada, a não ser risos... O drama consiste na questão da posse, do “ter ou não ter” que, infelizmente, atravessou o limiar da morte e foi parar nos túmulos dos finados Procópio e Torquato. Trata-se de um dente, perdido numa rodada de porrinha, e um dedo que foi subtraído por um cachorro... Não havendo propriedade privada no pós-vida, não havendo dinheiro para mandar trazer de volta, nem a possibilidade em comprar outro, a situação ganha proporções enormes.
Fica a questão: mesmo depois da morte, as pessoas fazem de tudo para terem um pouco mais? A sátira destes dois personagens atravessa as bordas da cena e pode falar - apesar de não citarem os buracos da nossa cidade lunática - de problemas de ordem mais profunda, tais como: em função do que existimos? Em torno do quê nossa vida gira?
São os questionamentos que não estarão, com certeza, nas campanhas eleitorais. O que a maioria dos políticos quer é achar o problema mais imediato para ganhar voto o mais rápido possível. Às vezes, nem isso! Existe uma solução mais eficiente do que achar o que está errado: promover festas e mais festas, pois, festejando, o povo esquece até dos próprios problemas [...]. Investir no teatro não seria uma boa proposta? Infelizmente, não. Existe pesadelo maior para os que controlam o mercado e a opinião, do que ver a sociedade ter consciência deste controle? É por isso que lançamos aqui um slogan para circulação da peça Um dedo por um dente: mentir para falar a verdade!Os comediantes brincarão com a fantasia. O público será transportado ao sonho. As cortinas estenderão seus braços. A comédia cobrirá todos com um delicioso véu... De lá sairão vários questionamentos. O riso levantará a polêmica. A realidade, enfim, será posta em xeque quando houver a pergunta: será que essa ficção absurda é real?
É o que vale a pena conferir com a circulação do espetáculo Um dedo por um dente que esteve em cartaz nos dias 18 e 19 de agosto, no Teatro Itapicuraíba, no Anjo da Guarda, bem como nas sedes do Coco Pirinã e Adolescentro. Ademais, estará em cartaz nos dias 1 e 2 de setembro, indo para Casa Artes das Bicas, no Coroadinho, nos dias 15 e 16 do mesmo mês. Segundo os integrantes da trupe, a proposta não vai parar por aí. Serão integrados outros bairros da capital, fechando sempre parcerias com instituições comunitárias, associação de moradores, escolas etc. A meta é fazer 20 apresentações até dezembro.
O objetivo da circulação consiste não somente em levar o teatro para as pessoas da comunidade, mas, também, de tirar o Teatro do teatro, conforme alega o diretor do espetáculo: “A força do ato cênico vem das margens. Foi se apresentando em praças, ensaiando em quintais e se mostrando para o povo que o teatro do Maranhão, nos anos 70, atinge seu auge com grupos como o MUTIRÃO, sob a tutela de Aldo Leite e o LABORARTE, com Tácito Borralho. Eles foram mostrar ao povo que havia uma cultura maranhense, que existia um contexto político que tinha suas tramas e que a arte do Maranhão tinha seu valor e sua importância na formação de uma sociedade íntegra. Com fim destes grupos, o teatro se recolheu às salas de espetáculos, centrou-se nos meios acadêmicos, tornou-se mais discussão do que ação, se atrofiou e espera, ainda hoje, que estas pessoas voltem para as salas de espetáculo. Ah! Sonho vão!”
Desta forma, é mudando o foco, partindo do palco para público, que a trupe vai agir, levando até os grandes centros a diversão, a alegria e (...)o questionamento. O preconceito que existe em cima da comédia é justamente este: ela faz rir e rir não é sério. Enganam-se redondamente. É claro que existem espetáculos que visam apenas o riso pelo riso. Eles são frutos do grande mercado do entretenimento, da diversão e da distração. No entanto, a comédia: Um dedo por um dente pretende ir além. Seu intuito é provocar e, por isso, ela sai do teatro e vai fazer barulho perto da casa das pessoas para que elas “acordem”...
Se a trupe Petite Mort, composta por Igor Nascimento, Nuno Lilah Lisboa e Luis Ferreira faz isso, não é por nada messiânico, é o simples reflexo de que a cultura do Estado não é tratada como necessidade básica. Se assim o fosse, as outras necessidades básicas como saneamento, educação, saúde, não seriam problemas que se estendem de administração em administração, pois, com educação e cultura o povo teria consciência de seu poder, indo cobrar das autoridades o que lhe é de direito, custe o que custar [...]. Mas não vamos aqui soltar rojões, deixemos isso para os buzinaços e carreatas. O que se pretende com um teatro de sonhos e magia é, pura e simplesmente, tirar o povo da ilusão.
*Dramaturgo. Autor do premiado livro: O Assassinato de Charlene (Prêmio Secma 2009)



Confira o Guesa clicando aqui