quinta-feira, 7 de março de 2013

É preciso mentir para falar a verdade


*Artigo publicado no  Guesa Errante quando da Circulação de Um Dedo por um Dente


Por Igor Nascimento*
No meio deste bang-bang de jingles de campanha e das inúmeras propostas para melhoria da cidade de São Luís, a trupe Petite Mort decidiu também sair pelos bairros, buscando, em vez de eleitores, espectadores.
Em cena, a estória de duas caveiras. Elas não irão prometer nada, a não ser risos... O drama consiste na questão da posse, do “ter ou não ter” que, infelizmente, atravessou o limiar da morte e foi parar nos túmulos dos finados Procópio e Torquato. Trata-se de um dente, perdido numa rodada de porrinha, e um dedo que foi subtraído por um cachorro... Não havendo propriedade privada no pós-vida, não havendo dinheiro para mandar trazer de volta, nem a possibilidade em comprar outro, a situação ganha proporções enormes.
Fica a questão: mesmo depois da morte, as pessoas fazem de tudo para terem um pouco mais? A sátira destes dois personagens atravessa as bordas da cena e pode falar - apesar de não citarem os buracos da nossa cidade lunática - de problemas de ordem mais profunda, tais como: em função do que existimos? Em torno do quê nossa vida gira?
São os questionamentos que não estarão, com certeza, nas campanhas eleitorais. O que a maioria dos políticos quer é achar o problema mais imediato para ganhar voto o mais rápido possível. Às vezes, nem isso! Existe uma solução mais eficiente do que achar o que está errado: promover festas e mais festas, pois, festejando, o povo esquece até dos próprios problemas [...]. Investir no teatro não seria uma boa proposta? Infelizmente, não. Existe pesadelo maior para os que controlam o mercado e a opinião, do que ver a sociedade ter consciência deste controle? É por isso que lançamos aqui um slogan para circulação da peça Um dedo por um dente: mentir para falar a verdade!Os comediantes brincarão com a fantasia. O público será transportado ao sonho. As cortinas estenderão seus braços. A comédia cobrirá todos com um delicioso véu... De lá sairão vários questionamentos. O riso levantará a polêmica. A realidade, enfim, será posta em xeque quando houver a pergunta: será que essa ficção absurda é real?
É o que vale a pena conferir com a circulação do espetáculo Um dedo por um dente que esteve em cartaz nos dias 18 e 19 de agosto, no Teatro Itapicuraíba, no Anjo da Guarda, bem como nas sedes do Coco Pirinã e Adolescentro. Ademais, estará em cartaz nos dias 1 e 2 de setembro, indo para Casa Artes das Bicas, no Coroadinho, nos dias 15 e 16 do mesmo mês. Segundo os integrantes da trupe, a proposta não vai parar por aí. Serão integrados outros bairros da capital, fechando sempre parcerias com instituições comunitárias, associação de moradores, escolas etc. A meta é fazer 20 apresentações até dezembro.
O objetivo da circulação consiste não somente em levar o teatro para as pessoas da comunidade, mas, também, de tirar o Teatro do teatro, conforme alega o diretor do espetáculo: “A força do ato cênico vem das margens. Foi se apresentando em praças, ensaiando em quintais e se mostrando para o povo que o teatro do Maranhão, nos anos 70, atinge seu auge com grupos como o MUTIRÃO, sob a tutela de Aldo Leite e o LABORARTE, com Tácito Borralho. Eles foram mostrar ao povo que havia uma cultura maranhense, que existia um contexto político que tinha suas tramas e que a arte do Maranhão tinha seu valor e sua importância na formação de uma sociedade íntegra. Com fim destes grupos, o teatro se recolheu às salas de espetáculos, centrou-se nos meios acadêmicos, tornou-se mais discussão do que ação, se atrofiou e espera, ainda hoje, que estas pessoas voltem para as salas de espetáculo. Ah! Sonho vão!”
Desta forma, é mudando o foco, partindo do palco para público, que a trupe vai agir, levando até os grandes centros a diversão, a alegria e (...)o questionamento. O preconceito que existe em cima da comédia é justamente este: ela faz rir e rir não é sério. Enganam-se redondamente. É claro que existem espetáculos que visam apenas o riso pelo riso. Eles são frutos do grande mercado do entretenimento, da diversão e da distração. No entanto, a comédia: Um dedo por um dente pretende ir além. Seu intuito é provocar e, por isso, ela sai do teatro e vai fazer barulho perto da casa das pessoas para que elas “acordem”...
Se a trupe Petite Mort, composta por Igor Nascimento, Nuno Lilah Lisboa e Luis Ferreira faz isso, não é por nada messiânico, é o simples reflexo de que a cultura do Estado não é tratada como necessidade básica. Se assim o fosse, as outras necessidades básicas como saneamento, educação, saúde, não seriam problemas que se estendem de administração em administração, pois, com educação e cultura o povo teria consciência de seu poder, indo cobrar das autoridades o que lhe é de direito, custe o que custar [...]. Mas não vamos aqui soltar rojões, deixemos isso para os buzinaços e carreatas. O que se pretende com um teatro de sonhos e magia é, pura e simplesmente, tirar o povo da ilusão.
*Dramaturgo. Autor do premiado livro: O Assassinato de Charlene (Prêmio Secma 2009)



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