v O Rato no Muro
“Nós vivemos num
mundo em que as pessoas querem se comunicar de uma forma urgente e terrível.
Comigo aconteceu também isso. Só a poesia já não me bastava [...] então procurei
o Teatro [...]”
Hilda Hilst
o
Cenário
proposto:
·
Interior de uma capela;
·
Paredes brancas com algumas manchas pretas, como
as de um incêndio;
·
Ao fundo, uma cruz enorme, negra;
·
No chão, a sombra de uma cruz luminosa onde as
mulheres se movem;
·
Uma grande escultura representando a figura de
um anjo;
·
Dois planos (interior da capela; uma cerca a
alguns metros de distância de um muro que não se vê);
·
Na capela, alguns castiçais, um banco e uma
pequena janela;
·
Freiras em círculo, ajoelhadas;
·
Um chicote de três cordas ao lado de cada uma;
·
Superiora de pé, afastada das outras;
Ø
Cenário de teatro dramático tradicional; representação
em ambiente específico (convento); imagens: cruz, escultura, interior da
capela, freiras… (teatro lírico, simbolista ou absurdo).
Ø
Poesia presente na forma de escrita de Hilda
Hilst, mesclada aos diálogos e situações entre personagens e mundo.
Ø
Brincadeira com as formas de diálogo que se
completam;
Ø
Utilização de metáforas para tratar de temas
concretos e subjetivos;
Ø
Manter uma estrutura de drama: personagens e
seus conflitos, rubricas… (A importância das rubricas numa leitura).
o
Personagens:
·
Dez personagens;
·
Nove irmãs, cujos nomes são simbolizados por
letras que vão de A a I (ausência de identidade); e uma irmã superiora (madre
superiora — representação de domínio sobre as demais; imposição e medo,
opressão);
·
Somente quatro irmãs são caracterizadas pela
autora no momento da apresentação dos personagens: Irmã A: tem os olhos arregalados; Irmã C: tem manchas de sangue na roupa; Irmã G: muito velha, come o tempo inteiro, mastiga; Irmã I: irmã de sangue da irmã H;
·
Aspectos de certos personagens discernidos pela
autora de antemão ao texto dramático, enquanto outras personalidades vão sendo
reveladas durante o desenvolvimento do enredo;
·
Não possuir nome próprio: perda de identidade;
·
A princípio, não se determina as
particularidades de cada uma. No entanto, as poucas qualidades que a autora
coloca àquelas irmãs no momento da apresentação dos personagens sugerem uma
individualidade das mesmas;
·
A individualidade das personagens é
desconstruída algumas vezes durante a leitura da peça, quando as falas das
personagens parecem se completar como uma voz uníssona. Exemplo:
§
Irmã H:
Nunca! Eles deixaram as manchas… aqui. (aponta
a parede)
§
Irmã I:
E no pátio!
§
Irmã B:
Eles tocaram o muro.
§
Irmã A: Moveram
os lábios.
§
Irmã G:
Tinham o hálito luminoso.
§
Irmã C:
Eles… sangravam.
§
Todas
juntas: Sangravam?
§
Irmã C:
Sim! Essas manchas na parede e aquelas outras no pátio são manchas de sangue.
§
Irmã H
(em pânico): Mas não é possível… são
tão escuras.
·
Personagens construídas em torno de uma única
ideia ou qualidade, não há mais de um fator neles;
·
Não são personagens esféricos, não possuem
grandes complexidades, não são capazes de nos surpreender;
·
Embora, na sua maioria, não possuam
comportamentos que possam ser identificados no início da peça e não tenham um caráter
pré-definido pela autora, apresentam, no decorrer da trama, individualidades
peculiares e que se mantém durante a peça, na qual não há um momento específico
de reviravolta ou de ascensão do conflito dramático tradicional;
·
Freiras: figuras simbólicas que, da forma como
estão configuradas, não se espera uma atitude de personagem como “portador da
ação, centro de conflitos internos e agente quando, em consequência destes
conflitos e os demais, empurra para a frente toda a máquina de uma peça de
teatro (passivo, subordinado, hierarquicamente inferior, que não exerce nenhuma
influência sobre outrem, sem ação que influencie no desfecho da trama);
·
Personagens reveladas através de suas falas e
ações;
·
Os conflitos internos das freiras e o conflito
externo — identificado na figura da Superiora e do muro — movimentam o enredo
da peça;
·
O muro é o que desperta o desejo nas freiras de
transcendê-lo (curiosidade em ver o que está do outro lado do muro, mistério,
privação, proibido);
o
Conflitos:
·
Há nas irmãs um conflito interno: O maior obstáculo
está dentro de si próprio;
·
Conflito externo com o abstrato ou o coletivo,
com as forças naturais ou as fatalidades, com o preconceito ou com Deus;
·
Obrigadas a confessar seus pecados à Superiora,
mesmo tendo que inventá-los (a qualquer custo);
·
A irmã H
parece ser a mais resistente, ao insistir em dizer que não se recorda de seu
pecado (indício de subversão);
·
Momento em que as freiras se chicoteiam para se
redimirem de seus pecados (penitência, punição, castigo/tortura sofrida
por aqueles que não apoiavam a ditadura) — (inversão de papel: confessar-se
para ser punido/ser torturado para confessar);
·
O muro compõem o mundo real desta ficção;
·
Narrativa linear;
·
Enredo circular;
·
Discussão em torno das confissões dos pecados de
cada irmã, e do desejo de poderem enxergar o que há do outro lado do muro;
·
Na visão da autora, há certa proximidade da
linguagem deste texto ao teatro do absurdo;
·
Teatro do absurdo: conflito entre o mundo dos
personagens e o mundo real, concreto, atual, em que vivemos;
·
O absurdo da existência e da situação da vida;
·
Temas que tratam das dificuldades e dos desafios
da existência;
·
O homem que já não tem mais esperanças no
próprio mundo que vive;
·
O que se trata dos desejos e do sonhos, e das
impossibilidades de alcançá-los pelos mais diversos motivos;
·
No caso de O
Rato No Muro, a barreira que dificulta os personagens de irem além é o
próprio muro e a figura da Superiora.
·
Suas peças tratam do absurdo de ser vivo, de
estar vivo, das situações absurdas de vivência do homem;
·
O que movimenta a narrativa são as ações dadas
pelas próprias falas das personagens;
·
Os personagens não contam uma história, não
caminham para um desfecho, mas mantêm diálogos que retratam a situação daquele
momento específico em que a narrativa se desenvolve;
·
A simples visão de um rato sobre o muro que as
separa do mundo exterior, a menção de um gato sacrificado por uma delas:
acontecimentos notáveis, raros na inércia de seu dia-a-dia;
·
O rato pode subir no muro e ver o que a elas é
negado;
·
A irmã Superior continua exercendo sua tirania;
·
A irmã H não consegue despertar suas
companheiras;
·
Valorização da palavra lírica no texto, sendo
rompida por algumas palavras mais concretas como as quebras da irmã G sempre
perguntando por comida. Essas quebras parecem colocar o leitor num plano
palpável, possibilitando que ele crie vínculos com os personagens e com o
enredo;
·
Qualidade cômica presente nas falas das irmãs
caracterizando o texto não por diálogos em contraposição, mas por monólogos
entrecortados por ações verbais, que dão ao texto um caráter mais
lírico-musical do que dramático narrativo.
·
O Rato No
Muro pode ser percebido como um grande poema a várias vozes.
o
A peça, o
texto, suas ações:
(O prelúdio da cena)
1.
As
nove freiras já aparecem falando que são apenas uma só, que só possuem um único
rosto; característica de quem é levado a acreditar que não possui identidade
própria, ou é obrigado a reconhecer que não tem identidade alguma. Elas são
forçadas, pelas circunstâncias, a repetir — em tom de quem entoa salmos; o que
simboliza a privação da liberdade, na maneira de se expressar; já que suas
confissões estão presas a uma cadência melódica que se assemelha a uma forma
cadenciada de se entoar os salmos (dançar de acordo com a música) — palavras
que as colocam, em confissão, numa posição de quem não tem o direito de assumir
uma postura própria por não ter identidade; assim sendo obrigadas a assumir a
identidade de uma entidade maior, que goza de maior significância, que se julga
mais importante; fazendo com que cada uma se veja insignificante perante esse
bem maior; que, no caso, acredita-se ser, ou se é levado (elevado) — cacofonia
proposital — a crer que seja a causa maior, em questão! Todas são obrigadas a
assumir uma mesma postura, um postura que representa o bem supremo, o bem de
todas; deixando, assim, de lado as suas próprias convicções, as suas
particularidades, os seus anseios e seus desejos pessoais…; isso já não
importa, é banal aos olhos da causa maior em questão, acaba se transfigurando
em culpa — pecado que se desemboca em castigo —, em penitência, em flagelo, em
punição, em tortura!
2.
O fato
da peça começar com todas as freiras em círculo, numa mesma postura de
submissão, ajoelhadas; buscando a misericórdia divina por meio da confissão de
suas culpas, cientes — por assim serem induzidas — de que a penitência é o
único caminho para a remição de seus pecados, num ambiente que nos remete a
clausura e a observação constante de suas ações, com elementos cênicos que,
metaforicamente, sempre hão de simbolizar interpretações dúbias — que nos levam
a perceber que há algo maior por detrás de todo aquele costume habitual de um
convento —; enfim: tudo isso me obriga a pensar que a autora, já no início do
texto, faz questão de mostrar indícios de que a peça não se trata só de uma
história que retrata a sagrada rotina cotidiana de um convento, mas,
principalmente, trata de um assunto que talvez seja proibido de ser discutido;
e é aí que a poesia das imagens entra, o lirismo inerente ao texto, a
simbologia das ações.
3.
Todas
falam juntas uma mesma coisa, numa mesma intensidade e cadencia melódica,
presas a uma forma musical. Todas se
sustentam sobre uma mesma postura; todas iniciam dispostas em cena de modo que
são moldadas em ordem circular, limitadas a um espaço delimitado. O hábito é o
mesmo para todas. A mesma coisa, sobre a qual estão falando, refere-se ao fato
de serem todas uma só, um rosto só; ao mesmo tempo que confessam suas culpas e
suplicam a Deus o perdão e a salvação divina, de maneira que Deus não leve em conta as culpas atribuídas a cada irmã.
4.
Durante
essas falas, a Superiora, em sua postura altiva, com um tom objetivo e severo,
as questiona, em confissão.
5.
A
tensão na fala das irmãs vem crescendo à proporção que se ouve as indagações da
Superiora (o que me remete ao medo que provém da intimidação); o tom cantado e
principalmente agudo denuncia a preocupação das irmãs, além da tensão na voz. (O
tom cantado me lembra quão importante é não fugir da melodia. O tom agudo
exprime uma preocupação em manter, o que está sendo dito, nas alturas; ao mesmo
tempo que, mesclado com uma certa desafinação, pode revelar o nervosismo que
acomete cada uma; além de imprimir, por tal motivo, um tom cômico na cena (a
quebra da tensão através da comédia)!
6.
Elas
rogam insistentemente a Deus, pedindo que o Mesmo se entristeça pelos seus
atos, mas se alegre de modo que os mesmos possam ser perdoados. No decorrer
desse jogo, a cena se faz torturante, pois os rogos vêm acompanhados das
severas e objetivas indagações da Superiora, ao mesmo tempo que se deixam levar
por uma cadência melodiosa com um tom cada vez mais agudo e tenso, de maneira a
tonificar as sílabas.
7.
Confessam,
em ritmo de relógio (cadência marcada em sentido horário — regular,
regulamento, regulagem, pontuado, mecânico, ajustado, teleguiado ao compasso
dos ponteiros; não possuem alma, mas engrenagem), que possuem muitos pecados
(são levadas a pensar isso).
8.
Com um
gesto que simboliza um sinal de comando, a Superiora obriga uma por uma a se
confessar; de A a I. (É a partir daí que se torna possível começar a se identificar
as particularidades de cada irmã. O gesto que cada uma tem de se levantar,
indica uma mudança de postura em relação as demais, logo revela suas diferenças).
B
ResponderExcluirSerá que as pessoas desejam tanto se comunicar?
ResponderExcluirA forma deveria ser urgente e terrível através da poesia ou do Teatro, porém, hoje, todos se comunicam urgentemente e terrivelmente de maneira banal e frívola através da internet (assim como eu, nesse momento). Não acredito que os nossos atores estejam preparados para assumir uma postura política. Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, todavia o castigo do bom que não faz política é ser governado pelos maus que muito adoram a mesma.
A poesia está morta!
O Teatro enclausurado!
Agora é a internet que está ditando de forma dura!
Como abrir a boca?
Eh… tá certo… melhor mesmo mantê-la calada, pois em boca fechada não entra rola!