segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Teatro Político II

v O Rato no Muro
“Nós vivemos num mundo em que as pessoas querem se comunicar de uma forma urgente e terrível. Comigo aconteceu também isso. Só a poesia já não me bastava [...] então procurei o Teatro [...]”
                         Hilda Hilst
o   Cenário proposto:

·        Interior de uma capela;
·        Paredes brancas com algumas manchas pretas, como as de um incêndio;
·        Ao fundo, uma cruz enorme, negra;
·        No chão, a sombra de uma cruz luminosa onde as mulheres se movem;
·        Uma grande escultura representando a figura de um anjo;
·        Dois planos (interior da capela; uma cerca a alguns metros de distância de um muro que não se vê); 
·        Na capela, alguns castiçais, um banco e uma pequena janela;
·        Freiras em círculo, ajoelhadas;
·        Um chicote de três cordas ao lado de cada uma;
·        Superiora de pé, afastada das outras;

Ø  Cenário de teatro dramático tradicional; representação em ambiente específico (convento); imagens: cruz, escultura, interior da capela, freiras… (teatro lírico, simbolista ou absurdo).
Ø  Poesia presente na forma de escrita de Hilda Hilst, mesclada aos diálogos e situações entre personagens e mundo.
Ø  Brincadeira com as formas de diálogo que se completam;
Ø  Utilização de metáforas para tratar de temas concretos e subjetivos;  
Ø  Manter uma estrutura de drama: personagens e seus conflitos, rubricas… (A importância das rubricas numa leitura).


o   Personagens:

·        Dez personagens;
·        Nove irmãs, cujos nomes são simbolizados por letras que vão de A a I (ausência de identidade); e uma irmã superiora (madre superiora — representação de domínio sobre as demais; imposição e medo, opressão);
·        Somente quatro irmãs são caracterizadas pela autora no momento da apresentação dos personagens: Irmã A: tem os olhos arregalados; Irmã C: tem manchas de sangue na roupa; Irmã G: muito velha, come o tempo inteiro, mastiga; Irmã I: irmã de sangue da irmã H;
·        Aspectos de certos personagens discernidos pela autora de antemão ao texto dramático, enquanto outras personalidades vão sendo reveladas durante o desenvolvimento do enredo;
·        Não possuir nome próprio: perda de identidade;
·        A princípio, não se determina as particularidades de cada uma. No entanto, as poucas qualidades que a autora coloca àquelas irmãs no momento da apresentação dos personagens sugerem uma individualidade das mesmas;
·        A individualidade das personagens é desconstruída algumas vezes durante a leitura da peça, quando as falas das personagens parecem se completar como uma voz uníssona. Exemplo:

§  Irmã H: Nunca! Eles deixaram as manchas… aqui. (aponta a parede)
§  Irmã I: E no pátio!
§  Irmã B: Eles tocaram o muro.
§  Irmã A: Moveram os lábios.
§  Irmã G: Tinham o hálito luminoso.
§  Irmã C: Eles… sangravam.
§  Todas juntas: Sangravam?
§  Irmã C: Sim! Essas manchas na parede e aquelas outras no pátio são manchas de sangue.
§  Irmã H (em pânico): Mas não é possível… são tão escuras.
           
·        Personagens construídas em torno de uma única ideia ou qualidade, não há mais de um fator neles;
·        Não são personagens esféricos, não possuem grandes complexidades, não são capazes de nos surpreender;
·        Embora, na sua maioria, não possuam comportamentos que possam ser identificados no início da peça e não tenham um caráter pré-definido pela autora, apresentam, no decorrer da trama, individualidades peculiares e que se mantém durante a peça, na qual não há um momento específico de reviravolta ou de ascensão do conflito dramático tradicional;
·        Freiras: figuras simbólicas que, da forma como estão configuradas, não se espera uma atitude de personagem como “portador da ação, centro de conflitos internos e agente quando, em consequência destes conflitos e os demais, empurra para a frente toda a máquina de uma peça de teatro (passivo, subordinado, hierarquicamente inferior, que não exerce nenhuma influência sobre outrem, sem ação que influencie no desfecho da trama);   
·        Personagens reveladas através de suas falas e ações;
·        Os conflitos internos das freiras e o conflito externo — identificado na figura da Superiora e do muro — movimentam o enredo da peça;  
·        O muro é o que desperta o desejo nas freiras de transcendê-lo (curiosidade em ver o que está do outro lado do muro, mistério, privação, proibido);

o   Conflitos:
·        Há nas irmãs um conflito interno: O maior obstáculo está dentro de si próprio;
·        Conflito externo com o abstrato ou o coletivo, com as forças naturais ou as fatalidades, com o preconceito ou com Deus;
·        Obrigadas a confessar seus pecados à Superiora, mesmo tendo que inventá-los (a qualquer custo);
·        A irmã H parece ser a mais resistente, ao insistir em dizer que não se recorda de seu pecado (indício de subversão);
·        Momento em que as freiras se chicoteiam para se redimirem de seus pecados (penitência, punição, castigo/tortura sofrida por aqueles que não apoiavam a ditadura) — (inversão de papel: confessar-se para ser punido/ser torturado para confessar);
·        O muro compõem o mundo real desta ficção;
·        Narrativa linear;
·        Enredo circular;
·        Discussão em torno das confissões dos pecados de cada irmã, e do desejo de poderem enxergar o que há do outro lado do muro;
·        Na visão da autora, há certa proximidade da linguagem deste texto ao teatro do absurdo;
·        Teatro do absurdo: conflito entre o mundo dos personagens e o mundo real, concreto, atual, em que vivemos;
·        O absurdo da existência e da situação da vida;
·        Temas que tratam das dificuldades e dos desafios da existência;
·        O homem que já não tem mais esperanças no próprio mundo que vive;
·        O que se trata dos desejos e do sonhos, e das impossibilidades de alcançá-los pelos mais diversos motivos;
·        No caso de O Rato No Muro, a barreira que dificulta os personagens de irem além é o próprio muro e a figura da Superiora.
·        Suas peças tratam do absurdo de ser vivo, de estar vivo, das situações absurdas de vivência do homem;
·        O que movimenta a narrativa são as ações dadas pelas próprias falas das personagens;
·        Os personagens não contam uma história, não caminham para um desfecho, mas mantêm diálogos que retratam a situação daquele momento específico em que a narrativa se desenvolve;
·        A simples visão de um rato sobre o muro que as separa do mundo exterior, a menção de um gato sacrificado por uma delas: acontecimentos notáveis, raros na inércia de seu dia-a-dia;
·        O rato pode subir no muro e ver o que a elas é negado;
·        A irmã Superior continua exercendo sua tirania;
·        A irmã H não consegue despertar suas companheiras;
·        Valorização da palavra lírica no texto, sendo rompida por algumas palavras mais concretas como as quebras da irmã G sempre perguntando por comida. Essas quebras parecem colocar o leitor num plano palpável, possibilitando que ele crie vínculos com os personagens e com o enredo;
·        Qualidade cômica presente nas falas das irmãs caracterizando o texto não por diálogos em contraposição, mas por monólogos entrecortados por ações verbais, que dão ao texto um caráter mais lírico-musical do que dramático narrativo.
·        O Rato No Muro pode ser percebido como um grande poema a várias vozes.

o   A peça, o texto, suas ações:

(O prelúdio da cena)

1.      As nove freiras já aparecem falando que são apenas uma só, que só possuem um único rosto; característica de quem é levado a acreditar que não possui identidade própria, ou é obrigado a reconhecer que não tem identidade alguma. Elas são forçadas, pelas circunstâncias, a repetir — em tom de quem entoa salmos; o que simboliza a privação da liberdade, na maneira de se expressar; já que suas confissões estão presas a uma cadência melódica que se assemelha a uma forma cadenciada de se entoar os salmos (dançar de acordo com a música) — palavras que as colocam, em confissão, numa posição de quem não tem o direito de assumir uma postura própria por não ter identidade; assim sendo obrigadas a assumir a identidade de uma entidade maior, que goza de maior significância, que se julga mais importante; fazendo com que cada uma se veja insignificante perante esse bem maior; que, no caso, acredita-se ser, ou se é levado (elevado) — cacofonia proposital — a crer que seja a causa maior, em questão! Todas são obrigadas a assumir uma mesma postura, um postura que representa o bem supremo, o bem de todas; deixando, assim, de lado as suas próprias convicções, as suas particularidades, os seus anseios e seus desejos pessoais…; isso já não importa, é banal aos olhos da causa maior em questão, acaba se transfigurando em culpa — pecado que se desemboca em castigo —, em penitência, em flagelo, em punição, em tortura!
2.      O fato da peça começar com todas as freiras em círculo, numa mesma postura de submissão, ajoelhadas; buscando a misericórdia divina por meio da confissão de suas culpas, cientes — por assim serem induzidas — de que a penitência é o único caminho para a remição de seus pecados, num ambiente que nos remete a clausura e a observação constante de suas ações, com elementos cênicos que, metaforicamente, sempre hão de simbolizar interpretações dúbias — que nos levam a perceber que há algo maior por detrás de todo aquele costume habitual de um convento —; enfim: tudo isso me obriga a pensar que a autora, já no início do texto, faz questão de mostrar indícios de que a peça não se trata só de uma história que retrata a sagrada rotina cotidiana de um convento, mas, principalmente, trata de um assunto que talvez seja proibido de ser discutido; e é aí que a poesia das imagens entra, o lirismo inerente ao texto, a simbologia das ações.
3.      Todas falam juntas uma mesma coisa, numa mesma intensidade e cadencia melódica, presas a uma forma musical.  Todas se sustentam sobre uma mesma postura; todas iniciam dispostas em cena de modo que são moldadas em ordem circular, limitadas a um espaço delimitado. O hábito é o mesmo para todas. A mesma coisa, sobre a qual estão falando, refere-se ao fato de serem todas uma só, um rosto só; ao mesmo tempo que confessam suas culpas e suplicam a Deus o perdão e a salvação divina, de maneira que Deus não leve em conta as culpas atribuídas a cada irmã.
4.      Durante essas falas, a Superiora, em sua postura altiva, com um tom objetivo e severo, as questiona, em confissão.
5.      A tensão na fala das irmãs vem crescendo à proporção que se ouve as indagações da Superiora (o que me remete ao medo que provém da intimidação); o tom cantado e principalmente agudo denuncia a preocupação das irmãs, além da tensão na voz. (O tom cantado me lembra quão importante é não fugir da melodia. O tom agudo exprime uma preocupação em manter, o que está sendo dito, nas alturas; ao mesmo tempo que, mesclado com uma certa desafinação, pode revelar o nervosismo que acomete cada uma; além de imprimir, por tal motivo, um tom cômico na cena (a quebra da tensão através da comédia)!
6.      Elas rogam insistentemente a Deus, pedindo que o Mesmo se entristeça pelos seus atos, mas se alegre de modo que os mesmos possam ser perdoados. No decorrer desse jogo, a cena se faz torturante, pois os rogos vêm acompanhados das severas e objetivas indagações da Superiora, ao mesmo tempo que se deixam levar por uma cadência melodiosa com um tom cada vez mais agudo e tenso, de maneira a tonificar as sílabas.
7.      Confessam, em ritmo de relógio (cadência marcada em sentido horário — regular, regulamento, regulagem, pontuado, mecânico, ajustado, teleguiado ao compasso dos ponteiros; não possuem alma, mas engrenagem), que possuem muitos pecados (são levadas a pensar isso).
8.      Com um gesto que simboliza um sinal de comando, a Superiora obriga uma por uma a se confessar; de A a I. (É a partir daí que se torna possível começar a se identificar as particularidades de cada irmã. O gesto que cada uma tem de se levantar, indica uma mudança de postura em relação as demais, logo revela suas diferenças).

                                                                                                   Nuno Lilah Lisboa.


                       

2 comentários:

  1. Será que as pessoas desejam tanto se comunicar?
    A forma deveria ser urgente e terrível através da poesia ou do Teatro, porém, hoje, todos se comunicam urgentemente e terrivelmente de maneira banal e frívola através da internet (assim como eu, nesse momento). Não acredito que os nossos atores estejam preparados para assumir uma postura política. Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, todavia o castigo do bom que não faz política é ser governado pelos maus que muito adoram a mesma.
    A poesia está morta!
    O Teatro enclausurado!
    Agora é a internet que está ditando de forma dura!
    Como abrir a boca?
    Eh… tá certo… melhor mesmo mantê-la calada, pois em boca fechada não entra rola!

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