Caderno de Direção #11
O
trabalho de ir ao ferreiro me deixa extasiado. Gosto de trabalhar com ferro.
Matéria que é forte quando queremos entortá-la com uso da força bruta e frágil
com relação ao abandono, ao tempo, à umidade. A ferrugem é isso: a derrota do
rígido pelo que é fluído. Uma ação lenta que consome aos poucos o organismo que
se volta contra ele mesmo...
O
trabalho com a matéria me proporciona isso: metáforas!
Apertando
parafusos apreendi a entender o teatro melhor. Uma fala mal pronunciada. Buracos
negros de expressão no meio de um gesto. São elementos frouxos dentro da
estrutura que desaba simbolicamente. Se a peça foi uma merda e não se sabe o porquê?
Algo lá atrás não está amarrado...
Dizem
que isso se chama aristotelismo. Não creio. Mesmo o trabalho mais livre das
regras não pode ser um trabalho de preguiçoso como certos serviços com os quais
me deparei vagando de marceneiro em marceneiro. Alguns seres têm a liberdade de
fazer o objeto que bem entenderem, mas não se aplicam no corte da madeira. O
resultado: algo mal acabado por que o começar foi ignorado. E a desculpa: “não
somos aristotélicos, não trabalhamos com começo, meio e fim”. Não...
Definitivamente, não. Algo na dinâmica dessa matéria foi ignorado. O movimento
que faz com que aquilo aconteça não foi sentido suficientemente para que possa
ser passado para o público, para que possa existir na cena...
O
encaixe das coisas. O corte. O polimento. A fixação. As texturas. Tudo isso
encontro nas grandes obras. Elas não vieram do além. Elas são frutos de
arranjos e rearranjos. O trabalho da observação de como uma coisa age sobre
outra e que efeito produz. Isso me veio ao espírito quando Raduan Nassar retratava
o ofício do peixeiro em Lavoura Arcaica:
não é somente aquele que sabe o peso do peixe, mas alguém que acha um ponto em
comum entre o ferro e a carne. Durante esse mês, irei atormentar o ferreiro com
esse tipo de coisa.