quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Matéria se transforma. Basta uma metáfora.


Caderno de Direção #11

O trabalho de ir ao ferreiro me deixa extasiado. Gosto de trabalhar com ferro. Matéria que é forte quando queremos entortá-la com uso da força bruta e frágil com relação ao abandono, ao tempo, à umidade. A ferrugem é isso: a derrota do rígido pelo que é fluído. Uma ação lenta que consome aos poucos o organismo que se volta contra ele mesmo...
O trabalho com a matéria me proporciona isso: metáforas!
Apertando parafusos apreendi a entender o teatro melhor. Uma fala mal pronunciada. Buracos negros de expressão no meio de um gesto. São elementos frouxos dentro da estrutura que desaba simbolicamente. Se a peça foi uma merda e não se sabe o porquê? Algo lá atrás não está amarrado...
Dizem que isso se chama aristotelismo. Não creio. Mesmo o trabalho mais livre das regras não pode ser um trabalho de preguiçoso como certos serviços com os quais me deparei vagando de marceneiro em marceneiro. Alguns seres têm a liberdade de fazer o objeto que bem entenderem, mas não se aplicam no corte da madeira. O resultado: algo mal acabado por que o começar foi ignorado. E a desculpa: “não somos aristotélicos, não trabalhamos com começo, meio e fim”. Não... Definitivamente, não. Algo na dinâmica dessa matéria foi ignorado. O movimento que faz com que aquilo aconteça não foi sentido suficientemente para que possa ser passado para o público, para que possa existir na cena...
O encaixe das coisas. O corte. O polimento. A fixação. As texturas. Tudo isso encontro nas grandes obras. Elas não vieram do além. Elas são frutos de arranjos e rearranjos. O trabalho da observação de como uma coisa age sobre outra e que efeito produz. Isso me veio ao espírito quando Raduan Nassar retratava o ofício do peixeiro em Lavoura Arcaica: não é somente aquele que sabe o peso do peixe, mas alguém que acha um ponto em comum entre o ferro e a carne. Durante esse mês, irei atormentar o ferreiro com esse tipo de coisa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário