terça-feira, 22 de janeiro de 2013

CADA ARTE ESFORÇA-SE CONSTANTEMENTE PARA ASSEMELHAR-SE À MÚSICA (W. Paret)



Caderno de Direção #5

            Quem nunca se emocionou ouvindo uma música? O poder de determinadas melodias provocam diversos sentimentos. Elas tocam não sei qual janelinha da alma e, às vezes, nos pegam desprevenidos.
Ouvindo canções choramos, entramos em transe, dançamos... A harmonia do som faz com que nossas emoções vibrem. Se você estiver munido da música certa, até o trocar de uma roda de carro pode ser emocionante e inspirador. Faça isso, por exemplo, escutando a trilha sonora de Amélie Poulain e veja como o deslizar da chave de roda no parafuso contem uma magia infinita. Quer ir mais longe? Grave alguém fritando um ovo e edite as imagens colocando a nona de Beethoven ao fundo e sinta o desespero e a glória do estalar da cebola na manteiga derretida...
            Não que a música seja a maior de todas as artes, mas, com certeza, ela é a mais rápida para mexer com nossos sentimentos. Ela só exige que escutemos. As notas se encarregam do resto. As outras artes exigem um trabalho de percepção. Não é qualquer um que pode se emocionar com a pureza dos versos de Shakespeare.  É preciso uma determinada instrução para lê-los, decifrar seus signos, entender o que se esconde quando Ricardo III diz “Meu reino por um cavalo” ou quando Hamlet desabafa “Ser ou não ser, eis a questão”.
             Por outro lado, nenhum filme americano prescinde de uma boa trilha sonora... As motivações dos personagens podem ser ridículas, mas a musiquinha parece que autentica tudo. Tire a música de boa parte dos filmes de ação e veja como não têm nenhuma profundidade, exceto um enredo que segue praticamente a mesma fórmula.
A melodia preenche os espaços, ela ocupa de tal maneira a mente que acabamos embarcando nas histórias mais esdrúxulas inconscientemente e, sem perceber, temos nossas sensações manipuladas a torto e a direito...
Neste caso, a música tem um grande poder, que pode ser usado para o bem ou para o mal. Caminhemos o fim deste artigo para o mal, pois o bem das boas melodias todos nós já o sabemos...
Propagandas, campanhas publicitárias, festas. Para que existam, a música é quase como uma necessidade vital. Passe no bar e tire o som. Se você não receber uma garrafada na cabeça verá que a sensação é de que as pessoas não têm mais assunto. A grande verdade é que elas não têm mesmo nada a dizer. A música preenche esse vazio. Faz com que haja um clima de convivência que talvez sequer exista... Se, de repente, proibissem os políticos de vincularem jingles de campanha veríamos quanto os discursos são vazios e repetitivos.  A situação chegou a tal ponto que algumas músicas são simplesmente o número dos candidatos repetidos no meio de quatro ou cinco acordes...
Neste caso é música é uma arma ideologicamente letal. Duvido muito que um povo embalado pelo axé e pelo sertanejo universitário consiga converter o quadro de corrupção de Brasília. O que tais ritmos dizem é “deixa tudo para lá vamo pular” ou “te arruma e vamo para balada”...
Um estranho paralelo se faz quando, ao morrer, Hamlet diz “O resto é silêncio”. Será que a necessidade de tanta música para preencher os vazios não seja uma constatação de que estamos mortos, mas, diferente do personagem de Shakespeare, não sabemos? 
Em 1 Dedo por 1 Dente, Procópio e Torquato se debatem nesse vazio. Nesse espaço ideológico que é preenchido arbitrariamente. Quando falam do "nada", não se trata de uma ausência de tudo, antes, trata-se da impressão de todo esse barulho que mascara um imenso vácuo, que seria trágico se nós o chamássemos de existência.      

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