terça-feira, 22 de janeiro de 2013

UM CERTO PESSOA QUE BANALIZOU O SENTIMENTO


Se Fernando lesse Constantin
Caderno de Direção #9

                No jogo teatral fingir é o pior caminho. Significa falsidade. Fingir, na verdade, pretende apenas formular uma imagem falsa daquilo que realmente sentimos. A mulher que finge o orgasmo pode levar o homem à lua, mas o seu jogo não transcende os panos da cama, menos ainda, as cortinas do corpo.
                Quando Pessoa diz que o poeta é um fingidor e que finge tão completamente ao ponto de fingir a dor que sente de verdade, não consigo imaginar outra coisa do que um ator canastrão no meio do palco... Já ouvi estes versos sendo declamados tantas vezes, mas nunca senti neles algo que me motive. Essa primeira estrofe me remete à imagem do poeta e, depois disso, nada mais. O que vem em seguida é escuro, é impalpável, é confuso... Não me parece verdadeiro ao ponto de me tocar profundamente. O que Stanislavsky condena, justamente,  são o que ele chama de “carimbos”. O sentimento interpretado pelo sentimento, sem considerar as circunstâncias, os objetivos, as ações físicas. Tudo isso não produz a sensação de verdade no palco e desemboca no que conhecemos como clichê, ou seja, a banalização dos gestos, da fala, das marcações...
                Fernando conseguiu produzir o carimbo do poeta: aquele que sofre, às vezes à toa, às vezes à força, e que coloca no papel aquilo que sente, de forma “pessoal”, sem querer alcançar um objetivo específico, sem querer dizer algo com aquela dor.
Se sofrer bastasse ao ofício da poesia, comparemos, então, o poeta à perua do high society:
 Ela gasta meramente por gastar e somente o gesto, sem qualquer motivação, basta. Ambos não têm um objetivo definido naquilo que produzem. Enquanto o sofredor não tem nada para dizer e fala da dor pela dor, o consumo personificado não tem nada para fazer e faz compras.    
Os dois são uma imagem cristalizada, um kitsch, um clichê.
Não julguemos o poeta de Pessoa, que foi muito profundo e muito bom. Rejeitemos a pessoa do poeta que se isola na poesia e da poesia não vai a lugar algum. Pensemos na utilidade daquilo que fazemos para nosso ofício não ser inútil ou, sendo malicioso, autopsicográfico...
Voltemos a Stanislavski que defende o uso de vários artifícios para alcançar e satisfazer o senso de verdade (que é confundido erroneamente com realismo). Neste caso, a técnica artificial serve para dar mais vida ao ator e à mensagem que ele aporta, enquanto que, no mundo real, as ações e as coisas atuam para dar mais artifícios à vida, deixando-a vazia e sem sentido. Eis a grande luta de resistência obrada pela arte: reverter esse fluxo da verdade através da ficção, convertendo um paradoxo através de outro paradoxo.
 No entanto, se o verso ou a atuação não servem para reforçar a mensagem que queremos passar, eles se transformam em um feixe de luz dentro de uma sala escura, que se destaca da escuridão com seu brilho e sua beleza, mas não consegue iluminar nada que está ao seu redor, nem o simples criado mudo, quem dirá as brechas escondidas atrás do guarda-roupa.

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